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Leonardo Sakamoto

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Diante da inflação, Bolsonaro age como se o presidente fosse outra pessoa

Dida Sampaio/Estadão Conteúdo
Imagem: Dida Sampaio/Estadão Conteúdo

Colunista do UOL

28/09/2021 09h38

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Ao negar sua responsabilidade sobre as ações e inações que levaram o país à atual situação econômica (o combo inflação, desemprego, pobreza extrema, fome e crises hídrica e elétrica), Jair Bolsonaro reforça uma linha de argumentação que pode ser resumida no bordão do mentiroso Chicó, personagem do Auto da Compadecida, de Ariano Suassuna: "não sei, só sei que foi assim".

Em evento que festejou os 1000 dias de sua gestão, nesta segunda (27), no Palácio do Planalto, o presidente afirmou que também queria que as coisas fossem diferentes, tentando nos convencer que ele não tem culpa alguma e que todos estamos no mesmo barco.

"Alguém acha que eu não queria a gasolina a R$ 4 ou menos? O dólar a R$ 4,50 ou menos? Não é maldade da nossa parte, é uma realidade. E tem um ditado que diz: 'nada não está tão ruim que não possa piorar'. Nós não queremos isso", disse. O desconcertante é que ele não é um passageiro comum, mas o capitão.

No mesmo dia, em conversa com fãs em frente ao Palácio do Alvorada, avisou que Jair Messias não pode fazer milagres.

"Pessoal está insatisfeito? Está. Inclusive estamos há três meses sem reajustar o diesel. Vai ter um reajuste daqui a pouco. Não vai demorar. Agora, não posso fazer milagre", declarou Bolsonaro. O último reajuste ocorreu, na verdade, no dia 5 de julho.

Ainda sobre a inflação, em entrevista à rádio Jovem Pan, nesta terça (28), Bolsonaro afirmou ser um "zero à esquerda" em economia, dizendo que tem confiança no presidente do Banco Central, Roberto Campos, para tomar as medidas necessárias. Ou seja, o departamento dele é de micaretas golpistas; para inflação, favor ligar para outro número.

Desde as eleições, Bolsonaro repete esse mantra, dizendo que, por isso, daria autonomia a seus assessores nessa área. Mesmo assim, sua equipe manteve uma condução errante na gestão da economia. E as ações do presidente visando a atender aliados, excitar seguidores e evitar um impeachment, aumentaram a insegurança política, o que trouxe efeitos sobre o dólar e a inflação.

Presidente confirma risco de apagão nos próximos meses

Na mesma entrevista, questionado se haveria apagão, Bolsonaro mais uma vez tirou o corpo fora. "Não posso garantir isso para você. Estudos que nós temos é de que não vai faltar [energia elétrica]", disse.

Contudo, nota técnica baseada em um estudo do Operador Nacional do Sistema (ONS), publicada em 25 de agosto, aponta que não teremos energia para chegar incólumes até dezembro.

Ele analisa dois cenários de atendimento da demanda energética, trabalhando com as condições reais de geração e estimando quanta energia adicional o país deveria ser capaz de gerar para evitar o desabastecimento antes do final de novembro. A conclusão é que vai faltar, mesmo com todas as medidas emergenciais adotadas.

O próprio diretor-geral do ONS, Luiz Carlos Ciocchi, afirmou, neste mês, que o Brasil deve evitar o racionamento de energia, mas que existe a possibilidade de "problemas de pico da demanda em outubro e novembro". Ou seja, apagão.

Para enfrentar isso, Bolsonaro voltou a pedir "banho frio" da população. Lembrando que a crise é decorrência da má gestão do sistema nos anos anteriores, quando era sabido que faltaria água neste momento devido aos efeitos das mudanças climáticas, mas o governo não economizou os reservatórios das hidrelétricas.

Pandemia não é culpa de Bolsonaro, mas ele a tornou algo muito pior

Bolsonaro deixou claro, nesta segunda, que a culpa não é dele. "Muitos acham que o que acontece hoje no tocante à economia, inflação, preço de combustíveis, de alimentos, entre outros problemas, está acontecendo porque eu sou presidente. E não, em grande parte, pelo que nós passamos e estamos passando ainda", disse.

A pandemia e seus impactos não ocorreram porque ele é o presidente, mas ele foi incapaz de ser o presidente que o Brasil precisava neste momento porque não sabe governar. Pior: ele se tornou parte do problema ao estender, com sua campanha negacionista contra o isolamento social, contra máscaras e a favor de remédios ineficazes, a duração da pandemia - o que piorou o desemprego, que está em 14,4 milhões.

Até a lei que proibia despejos de trabalhadores pobres durante na pandemia ele vetou. O Congresso, montado no bom senso, derrubou o veto nesta segunda (27). Mas se dependesse dele, milhares estariam na rua.

O corte do auxílio emergencial entre janeiro e abril deste ano, quando os pobres mais precisavam dele, diante de uma fome que já atingia 19,1 milhões em dezembro, piorou a situação. Depois, o retomou com valores muito mais baixos que no primeiro semestre de 2020, insuficientes para manter uma família.

Entendemos e concordamos que o presidente não sabe o que fazer neste momento para nos tirar do atoleiro que ele ajudou a nos colocar. Afinal, ele sabe como desmontar, como fez com a fiscalização ambiental, não como construir. Não à toa, sem ter o que fazer, planejou uma série de comícios eleitorais em todo o país.

O melhor seria dar lugar a quem saiba. Ou, pelo menos, a quem queira tentar.