Topo

Leonardo Sakamoto

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Consignado do Auxílio Brasil foi a pior maldade de Bolsonaro nas eleições

25.out.2022 - Fila na agência da Caixa para retirar empréstimo no Auxilio Brasil, no Rio de Janeiro - Reginaldo Pimenta/Agência O Dia/Estadão Conteúdo
25.out.2022 - Fila na agência da Caixa para retirar empréstimo no Auxilio Brasil, no Rio de Janeiro Imagem: Reginaldo Pimenta/Agência O Dia/Estadão Conteúdo

Colunista do UOL

08/12/2022 22h38Atualizada em 09/12/2022 15h46

Receba os novos posts desta coluna no seu e-mail

Email inválido

O empréstimo consignado concedido a beneficiários do Auxílio Brasil é a prova de que vale absolutamente tudo em uma eleição - inclusive endividar famílias miseráveis, oferecendo uma miragem em troca da redução dos recursos destinados a aplacar a sua fome. É compra de voto com requintes de crueldade.

Valendo-se da situação de desespero a que estão submetidos milhões de brasileiros pobres por suas dívidas, o governo ofereceu a eles a possibilidade de tomar um empréstimo a ser pago com uma parte da grana destinada à compra de um mínimo de comida. Claro que a possibilidade foi aberta em um contexto eleitoral em que Bolsonaro, segundo as pesquisas, perdia de lavada para Lula entre famílias com renda de até dois salários mínimos.

Reportagem de Amanda Rossi, no UOL, nesta quinta (8), revela que o consignado concedeu R$ 9,5 bilhões em empréstimos para 3,5 milhões de beneficiários de 10 de outubro (data de início dos pagamentos) a 1º de novembro. Detalhe: o segundo turno foi no dia 30 de outubro. Quatro em cada cinco reais foram disponibilizados pela Caixa, banco controlado pelo governo de Jair.

O dinheiro que entra gera um alívio imediato. E a expectativa de Bolsonaro era que, aliviados, os mais pobres deixassem de votar em Lula e o escolhessem. Agora, no ano que vem, quando as parcelas fizerem falta no supermercado, será "cada um por si e Deus acima de todos".

O Auxílio está em R$ 600 e mesmo assim é insuficiente para comprar uma cesta básica em 12 das 17 capitais pesquisadas pelo Dieese, segundo levantamento divulgado na última terça (6). A parcela máxima para o pagamento da dívida é de R$ 160. Ou seja, neste momento, sobraria R$ 440 para a família comer. Isso sem contar que os juros anuais cobrados são bem maiores do que os que incidem em outros consignados, como os de aposentados ou de funcionários públicos.

E, para piorar, houve muita desinformação circulando. Como a mentira de que caso o beneficiário perca o direito a receber o Auxílio Brasil, o governo federal assumiria o restante da dívida.

À coluna, o próprio Ministério da Cidadania deixou claro que isso não procede. Quem assume o restante da dívida é o beneficiário.

Com todos esses problemas, a Caixa chegou a suspender a concessão de novos empréstimos após recomendação do TCU na eleição. Mas voltou a oferecê-lo no último dia 14. Esses bilhões emprestados armam uma bomba-relógio social que deve explodir em 2023, no colo do governo Lula.

O ex-ministro Aloizio Mercadante, coordenador dos grupos técnicos da transição, avisou, no dia 1º de dezembro, que pedirá uma apuração ao Ministério Público, à Controladoria-Geral da União e ao Tribunal de Contas sobre o abuso de poder representado pela liberação do consignado. "Eleição é muito séria, tem que ter paridade de armas. Não pode usar recurso público para comprar votos", disse.

Na mesma coletiva à imprensa, a senadora Simone Tebet defendeu que não basta uma votação no Congresso para um ato administrativo se tornar legal, como o consignado. "Se a finalidade não era pública, era eleitoral para ganhar a eleição, se o motivo não era justo, isso vicia o ato e traz para uma seara eleitoral essa questão", avalia. Ou seja, tudo isso aumenta a chance de aplicar alguma punição a Jair Bolsonaro.

Explorar o desespero do naco mais pobre da população, oferecendo a possibilidade de trocar comida por amortização de dívida, demanda uma falta crônica de empatia por parte de quem formula, executa e lucra com a ideia. Pois isso não é dedução automática em salário, mas em benefício para garantir sobrevivência.

Realmente vale tudo em uma eleição. Até comprar voto devolvendo como troco a fome em prestações a perder de vista.