Paranoica e autoritária, gestão Bolsonaro era fissurada em espionar celular
Operação da Polícia Federal, nesta sexta (20), prendeu dois servidores e o ministro Alexandre de Moraes, do STF, afastou o número 3 da Abin (Agência Brasileira de Inteligência), Paulo Pinto, em uma investigação sobre o uso de um sistema secreto de monitoramento de celulares durante os três primeiros anos de Bolsonaro. Paranoica e autoritária, a gestão passada transformou a espionagem dos aparelhos de críticos e adversários em política de governo.
Jornalistas, políticos e funcionários públicos estariam entre os alvos que tiveram sua movimentação física rastreada através da ferramenta FirstMile sem que tal ação fosse autorizada previamente pela Justiça.
O programa foi comprado nos últimos dias da gestão Michel Temer da empresa israelense Cognyte por R$ 5,7 milhões e usado pelo governo de Jair.
A informação de que a Abin estava envolvida em monitoramento irregular daqueles considerados adversários do regime bolsonarista não choca. Pelo contrário, é a constatação de um receio escancarado desde a eleição de 2018.
Também não surpreendeu quando a Abin, então gerida por Alexandre Ramagem, amigo da família Bolsonaro e hoje deputado federal pelo PL, foi acusada de produzir relatórios para orientar a defesa de Flávio Bolsonaro (PL-RJ) a pedir a anulação do caso Queiroz. Nele, o senador em desvios de cascalho público e lavagem de dinheiro.
Reportagem de Lucas Valença, no UOL, de maio de 2021, mostrou como o vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos), responsável pela estratégia digital do pai, havia tentado trazer ao Brasil a ferramenta de espionagem Pegasus, que invade celulares. A ideia era criar uma "Abin paralela".
A licitação 03/2021, do Ministério da Justiça, no valor de R$ 25,4 milhões, tinha como objetivo contratar o programa, desenvolvimento por outra empresa israelense, a NSO Group. Isso aumentaria o poder de Anderson "Minuta do Golpe" Torres, então ministro da Justiça. Após a denúncia, a empresa dona do Pegasus desistiu do certame.
(Off topic: Israel é o paraíso de desenvolvedores de softwares e sistemas de espionagem. Esse é um dos motivos que a população ficou enfurecida com o governo Benjamin Netanyahu, que não conseguiu prever os ataques terroristas do Hamas em seu território.)
O Pegasus já era usado para monitorar celulares de jornalistas, políticos e críticos ao governos ao redor do mundo, como revelou o New York Times - o que chamou a atenção da família Bolsonaro. E não foi o único software nessa área pela qual se interessaram, a exemplo de reportagens também do UOL que citam prospecções sobre o Sherlock e o DarkMatter.
Se não choca a revelação de espionagem, por outro ela serve para confirmar como funcionava o governo passado. E ajuda a explicar que as tentativas de golpe após a derrota nas urnas não é uma narrativa esquerdista, mas a consequência lógica do baixo valor dado por Bolsonaro e aliados aos princípios democráticos.