Sacanagem: PIB do Brasil cresce, é 9º do mundo, mas dá prazer a poucos
O Brasil deve passar o Canadá e fechará 2023 como a 9ª maior economia do mundo, segundo projeções do Fundo Monetário Internacional. O país, que figurou em 7º lugar entre 2010 e 2014, nos governos Lula 2 e Dilma 1, chegou a deixar o top 10 em 2020, durante a gestão Bolsonaro.
Há muita gente festejando, e com razão. O Produto Interno Bruto, a soma das riquezas produzidas no país, deve crescer mais de 3% este ano, contrariando a expectativa da maioria dos economistas. A situação não é perfeita, tem muito problema pela frente, mas os juros estão em queda, a inflação segue baixa, a renda média do trabalho aumentou e o desemprego caiu.
Mas é sempre bom lembrar que tão importante quanto o aumento do PIB é a garantia de que essa riqueza não fique concentrada nas mãos de alguns poucos, levando qualidade de vida para o grosso da população.
A média dos salários dos trabalhadores caiu 6,9%, em 2022, no Brasil, enquanto os ganhos de acionistas de empresas aumentaram 23,8% em relação ao ano anterior. Os dados são de análise da Oxfam. De acordo com o levantamento, acionistas brasileiros receberam US$ 34 bilhões, quase o mesmo montante que trabalhadoras e trabalhadores do país tiveram em cortes em seus salários.
O discurso de que o crescimento é a peça-chave para a conquista da soberania (com o que concordo) e que, portanto, deve ser obtido de qualquer maneira (com o que discordo) tem sido usado por muita gente. Como os que fazem coro aos santos padroeiros da desregulamentação ambiental e trabalhista.
Crescer é bom, mas esse crescimento deve beneficiar a todos, caso contrário não significa desenvolvimento. Apenas progresso burro. Muitos não se preocupam que a qualidade de vida de povos tradicionais e trabalhadores seja sacrificada para ganhar um jogo, paradoxalmente acham o contrário: que cortando as leis que nos separam da barbárie é que virá a civilização.
Na média, o Brasil é um país rico. O problema é que ele continua na mão de poucos. Quando o PIB sobe, flui mais para as mãos dos que puderam comprar ações do que daqueles que dependeram de salário mínimo ou de programas de distribuição de renda.
A educação está sendo universalizada - contudo a extensão de sua abrangência não é acompanhada pela sua qualidade, nem de longe. O ensino para os pobres, que poderia mudar sua vida, é, com raras exceções, muito ruim. E não por culpa dos pobres e dos professores.
Vive-se mais, mas não necessariamente melhor. Posso debater com quem discorda disso na fila de um hospital público enquanto aguardamos uma consultinha. Todo mundo gosta de elogiar o SUS em campanhas, mas ele não é prioridade - tanto que abundam tentativas de desvincular receitas da Saúde.
Quando tratamos do tema por essa ótica, sempre aparece a cantilena de que "a população tem que entender que o crescimento do PIB vai beneficiar a todos. Não agora. Em algum momento''. Os economistas da ditadura falavam a mesma coisa, mas de uma forma diferente, algo como "é preciso primeiro fazer o bolo crescer, para depois distribui-lo".
Ou seja, você ajudou a produzir o doce, mas tire a mão dele que não é hora de você consumi-lo. Hoje, são alguns que vão comer. Vai chegar a sua vez de provar do bom e do melhor. Enquanto isso, encara este fritopan.
Considerando que a desigualdade social por aqui continua uma das altas do mundo, mesmo caindo continuamente, percebe-se o tipo de resultado dessa fórmula.
O melhor de tudo é o tom professoral ("A população tem que entender''), como se o especialista fosse um ser iluminado, dirigindo-se para o povo, bruto e rude para explicar que aquilo que sentem não é carestia. Mas sim sua contribuição com a geração de um superávit primário para que sejam honrados os compromissos do país.
O debate sobre desenvolvimento é uma discussão sobre a qualidade de vida. Que só será efetivo caso não exclua a população mais pobre dos benefícios trazidos por ele e não seja resultado da dilapidação dessa mesma população. A pergunta que temos que fazer é: estamos conseguindo dividir o bolo, não por igual, mas com prioridade em quem mais precisa por ter sido historicamente dilapidado? Claro que não.
Estamos conseguindo diminuir a concentração de renda na maior velocidade possível ou poderíamos ir além e implementar medidas para que não apenas os filhos dos mais pobres usufruam de uma boa vida em um futuro distante, mas eles próprios, aqui e agora? Pois esse é o tipo de situação em que não dá para perder peões a fim de ganhar o jogo.
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Quero receberO governo Lula mexeu nos recursos para o andar de baixo a fim de reduzir essa desigualdade. O reajuste do salário mínimo foi dos R$ 1.212, de 2022, para R$ R$ 1.320, agora, ou seja, R$ 36 acima da inflação - durante os quatro anos de Jair, houve apenas correção monetária. Ao mesmo tempo, a faixa de isenção do Imposto de renda passará de R$ 1.904 para R$ 2.640.
Os R$ 36 parecem pouco, mas os 72 milhões de trabalhadores da ativa, pensionistas e aposentados que dependem do salário mínimo e suas famílias entendem o que essa diferença traz à mesa.
Falta, contudo, taxar o andar de cima. A Reforma Tributária que diz respeito à tributação sobre o consumo, aprovada neste mês, é apenas a primeira etapa. Ainda falta a segunda: aquela que trata do imposto de renda, quando se espera que os parlamentares corrijam um pouco o nosso sistema injusto que taxa mais a classe média.
A taxação dos super-ricos em seus fundos exclusivos e em suas contas offshore, conquista do atual governo, é importantes, mas não faz cócegas na renda e no patrimônio dos multimilionários e bilionários brasileiros. O que não inclui você, que parcelou o Renegade em 24 vezes, acha que é rico, defende os ricos, mas não é.
Taxar os dividendo recebidos de empresas é o grande salto que precisa ser dado. Sem isso, os trabalhadores continuarão pagando mais imposto, proporcionalmente, que bilionários.
Sim, importa ver o PIB crescer. Mas ele tem que garantir prazer a todos. Caso contrário, é só voyeurismo de sacanagem.