Leonardo Sakamoto

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Opinião

Escândalo de obras emergenciais de Nunes em SP soa como 'Bolsa Empreiteira'

O escândalo bilionário das obras emergenciais da Prefeitura de São Paulo subiu de patamar com a investigação publicada, nesta segunda (4), pelo UOL, mostrando que, pelo menos, 223 dos 307 contratos têm indícios de conluio para a combinação de preços. Isso sugere uma ação sistemática para transferir grana pública para bolsos de empresas escolhidas pela gestão Ricardo Nunes (MDB), soando como uma "Bolsa Empreiteira".

Os repórteres Thiago Herdy, Pedro Canário e Rafael Neves mostram que os valores com indícios de sacanagem somam R$ 4,3 bilhões, ou 87% do total do contratado emergencialmente.

Em uma disputa, a empresa A apresentava um valor competitivo e a empresa B, não; daí, em outra, a mesma empresa B apresentava um valor competitivo e a mesma A, não. Como se tratava de seleções emergenciais, o poder público é que enviava os convites para a participação dos atores.

Ao invés de abrir licitações públicas para resolver problemas de contenção de encostas, intervenções em margens de rios, córregos e galerias pluviais e recuperação de vias públicas, deixando contratações urgentes para casos especialíssimos, a Prefeitura de São Paulo sob a gestão de Ricardo Nunes (MDB) criou "emergências fabricadas".

O termo não é meu, mas está em relatório do Tribunal de Contas do Município (TCM) que analisou 53 contratos emergenciais de 2021 e 2022 apontando que a gestão abusou dessa ferramenta ao invés de adotar licitações, forma mais protegida de fraudes, para enfrentar conhecidos, históricos e previsíveis problemas da capital.

Auditoria do TCM em contratos das secretarias municipais de Infraestrutura Urbana e Obras e de Subprefeituras, que concentram os contratos emergenciais, apontou que o valor gasto pela Prefeitura com esse tipo de obra sem licitação cresceu 10.400% em cinco anos: de R$ 20 milhões em 2017 para R$ 2,1 bilhões em 2022.

A Prefeitura tem afirmado que as denúncias têm cunho político e eleitoreiro e que os aumentos de valores gastos se devem ao fato de que esta gestão está fazendo mais pela cidade do que outras gestões. Bater no peito não vai resolver a situação da gestão Nunes, ele vai ter que provar que o cheiro de queimado, a fumaça, o calor e a gritaria não configuram um incêndio.

Por conta do acordo entre o governo federal e o município de São Paulo, o caixa da Prefeitura está transbordando, tendo juntado mais de R$ 30 bilhões para o atual prefeito gastar em sua reeleição. São Paulo teve a dívida quitada com a União em troca da cessão do Campo de Marte, uma negociação que começou com o falecido Bruno Covas e teve participação importante do "primeiro-ministro" da capital, Milton Leite (União Brasil), presidente da Câmara.

É tanto dinheiro que São Paulo passou por um processo de recapeamento simultâneo às vésperas do ano eleitoral e o prefeito implementou uma pauta da esquerda: o passe livre nos ônibus aos domingos e alguns feriados. Sim, a mesma reivindicação que deu início às manifestações de junho de 2013 na capital paulista - e que, consequentemente, ajudou a mudar a história recente da política do país.

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A questão é que gerenciar um orçamento desse tamanho demanda dedicação redobrada para obedecer aos princípios da administração pública. Coisa que está difícil de se ver neste caso, pois não parece que a Prefeitura agiu com eficiência, publicidade e moralidade.

E impessoalidade: segundo a investigação do UOL, as campeãs de contratos emergenciais para obras na gestão Nunes são três empreiteiras controladas pela mesma família: B&B Engenharia, BBC Construções e Abcon Engenharia. Elas assinaram 38 contratos no período analisado (15% do total), que somaram R$ 751,1 milhões, tendo sido convidadas a participar de 87 das 307 obras contratadas.

A farra dos contratos emergenciais significa que estamos diante do maior caso de incompetência de uma gestão municipal ou de um dos maiores casos de corrupção, em que parte do valor pago em contratações picaretas voltou para o bolso de agentes públicos para necessidades pessoais ou eleitorais. O que não seria novidade, pois já vimos esse filme antes no Brasil, da esquerda à direita.

Cabe ao Ministério Público investigar e a Justiça responder. Pois já passamos do momento do cheiro de queimado. Há burrice grossa ou sacanagem da brava. A questão é saber quem se beneficiou. E como. Qualquer que seja a resposta, ela é ruim para o atual prefeito.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL