Leonardo Sakamoto

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Opinião

Polícia cúmplice da morte de Marielle torna Rio um escritório do crime

A prisão de Domingos e Chiquinho Brazão, respectivamente, conselheiro do Tribunal de Contas do Rio e deputado federal, não foi exatamente uma surpresa. O sobrenome já tinha surgido após as mortes e, com as informações que já circulavam após a delação de Ronnie Lessa, era questão de tempo para a Polícia Federal levá-los ao xilindró por conta da morte da vereadora Marielle Franco e do seu motorista Anderson Gomes em março de 2018.

A grande surpresa foi Rivaldo Barbosa, então chefe da Polícia Civil. Ele teria recebido cascalho grosso para atrapalhar as investigações (reportagem do UOL, de novembro de 2019, trazia uma intercepção telefônica de um miliciano que já falava em R$ 400 mil). Pior do que isso: informações reveladas pela imprensa apontam que ele deu aval para a execução. Tipo, pode fazer que eu mato no peito.

Considerando que Barbosa recebeu a família de Marielle Franco no dia seguinte ao enterro e prometeu solucionar o crime, como me contou o ex-deputado federal e hoje presidente da Embratur Marcelo Freixo, se confirmada a delação, a situação terá sido nojenta até para os padrões da política fluminense.

Um chefe de polícia tem poder e recursos para mobilizar a estrutura sob seu comando, ou seja, toda a instituição, para garantir o abafamento de uma investigação. Além de Barbosa, o delegado Giniton Lages, que ficou à frente do caso Marielle na Delegacia de Homicídios no início das investigações, e o comissário de polícia Marco Antonio de Barros Pinto foram afastados por decisão do ministro Alexandre de Moraes, do STF.

E Barbosa foi indicado para a chefia da Polícia Civil na véspera da execução. Por que foi indicado? Isso estava nos planos do crime?

E é esse um dos pontos mais importantes da operação da Polícia Federal, da Procuradoria-Geral da República e do Ministério Público do Rio de Janeiro da manhã deste domingo (24): mostrar as entranhas do apodrecido Estado do Rio de Janeiro. Sim, a efetividade das políticas públicas no Rio pode ser uma zorra, mas o crime dentro do poder público é bastante organizado.

Ao entender isso, fica mais fácil compreender como os mandantes permaneceram desconhecidos por mais de cinco anos, até que a Polícia Federal sob o governo Lula entrasse de sola no caso. Pois não basta identificar os mandantes e os motivos (interesses imobiliários na zona oeste da capital?), mas também mostrar quem protegeu os mandantes e a que custo.

Dessa forma, a investigacão irá mostrar como uma parte desse crime organizado opera no coração da política fluminense. Ou seja, o pior Escritório do Crime não é o conjunto de milicianos e matadores de aluguel, mas o conjunto de interesses que impõe sua vontade na administração pública. Afinal, narcomilícias não receberam a confiança pelos votos dos eleitores.

A discussão pública sobre isso é o primeiro passo para mudar essa realidade, por mais difícil que seja resolver o problema. Porque o crime está tão entranhado que demandaria uma refundação do Estado do Rio e uma repactuação com a sociedade.

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A questão é se a cúpula da política e de uma parte rica dessa sociedade, que ganha com a atual situação, vão querer isso de verdade. Pois o problema não fica apenas no controle de territórios por criminosos, extorquindo e matando pobres, mas está presente na propina paga para que empresas possam burlar a lei.

E pelo que vimos até aqui, diante de uma sociedade miliciana no Rio, com agentes de segurança determinando quem vive e quem morre de acordo com seus interesses pessoais, vale perguntar se, diante do novelo de lã que começa a ser desfiado a partir do caso Marielle, se a banda podre da polícia vai topar abrir mão desse poder sem guerra.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL