Leonardo Sakamoto

Leonardo Sakamoto

Siga nas redes
Só para assinantesAssine UOL
Opinião

Bolsonaro repete tática e usa Marielle para desconversar sobre embaixada

Questionado por jornalistas sobre a razão de ter se refugiado por dois dias na Embaixada da Hungria após ser obrigado pela Justiça a entregar seu passaporte, o ex-presidente Jair Bolsonaro usou Marielle Franco para desviar o foco de um assunto incômodo sobre o qual não tinha argumentos plausíveis.

"Quer perguntar da Marielle Franco? Eu passei seis anos sendo acusado de ter matado Marielle", disse ele sem ninguém levantar o tema. Não, ele não passou seis anos sendo acusado pela imprensa de ter sido o mandante, mas foi uma das pessoas que mais usou o nome da vereadora desde sua morte.

Da execução, em março de 2018, até este momento, em que a Polícia Federal aponta o conselheiro do Tribunal de Contas do Rio Domingos Brazão e o deputado federal Chiquinho Brazão como mandantes e o ex-chefe da Polícia Civil Rivaldo Barbosa como planejador do crime e sabotador da investigação, o uso do nome de Marielle serviu a propósitos políticos da extrema direita.

Bolsonaro, por exemplo, praticou com ele um de seus esportes preferidos, a vitimização.

"Quando levei a facada, eles não falaram nada. Não vi ninguém da Folha falando 'quem matou o Bolsonaro?' Pelo contrário, levo pancada o tempo todo. Se for pegar o número de horas que a Globo fez para Marielle e no meu caso, acho que dá 100 para um, mas tudo bem", disse em 26 de maio de 2020, em uma das vezes.

Primeiro, é necessário lembrar a Jair que ele não morreu. Segundo, houve repúdio da imprensa e de seus adversários ao atentado que sofreu em 6 de setembro de 2018. Terceiro, a Polícia Federal chegou à conclusão de que Adélio Bispo agiu como um lobo solitário, mas ele não aceitou a conclusão, pois isso não lhe interessa. Quarto, não há dúvidas que se tivesse sido morto naquele dia e as investigações não tivessem apontado o que realmente ocorreu, como aconteceu com Marielle, o assunto ocuparia o debate público.

Não apenas Bolsonaro usou Marielle, mas também o bolsonarismo. Um dos primeiros casos envolveu os então candidatos a deputado estadual Rodrigo Amorim (PTB) e a deputado federal Daniel Silveira, em 2018, quando quebraram uma placa com homenagem à vereadora em um ato de campanha no Rio.

Os dois foram eleitos. Amorim ainda está na Assembleia Legislativa, já Silveira cumpre pena em Bangu por ataques às instituições democráticas. Ele chegou a ser tratado por Bolsonaro como um "mártir da liberdade" e ganhou dele o perdão presidencial, o que foi revertido pelo Supremo Tribunal Federal.

Já um dos episódios mais recentes envolveu um ataque do deputado federal Éder Mauro (PL-PA) para chamar a atenção e se promover eleitoralmente. Em uma sessão da Comissão de Direitos Humanos da Câmara, em 14 de março, dia em que a morte da vereadora completou seis anos, ele gritou "Marielle Franco acabou, porra. Não tem porra nenhuma aqui". Capturou, assim, os holofotes e ganhando minutos de promoção de sua imagem na mídia.

Continua após a publicidade

Éder Mauro é pré-candidato à Prefeitura de Belém e aparece em primeiro lugar no levantamento do Paraná Pesquisas de março, com 26% das intenções de voto. Parlamentar da Bancada da Bala, ele copia à risca o comportamento de Jair quando deputado federal, com xingamentos e ataques agressivos, fazendo de tudo para ganhar tração nas redes sociais.

No Dia de Finados de 2021, quando o país pranteava os mortos pela covid-19 e criticava o comportamento negacionista do governo Bolsonaro, seguidores do então presidente produziram uma cortina de fumaça trocando nomes de diversos restaurantes na plataforma iFood para "Marielle Franco Peneira" e "Bolsonaro 2022".

De acordo com nota, a empresa identificou que aproximadamente 6% dos estabelecimentos foram afetados. E afirmou que isso ocorreu a partir da conta de um funcionário de uma prestadora de serviços, que tinha permissão para ajustar informações cadastrais.

Desde seu assassinato, o ódio contra Marielle Franco foi bombado nas redes sociais e aplicativos de mensagens como elemento de coesão identitária de uma parte da extrema direita. Até hoje as mentiras propagadas logo após sua morte, como ela ter sido financiada pelo Comando Vermelho ou sido casada com o traficante Marcinho VP, são compartilhadas. E memes zombando de sua execução ainda são recorrentes em grupos bolsonaristas.

Após as prisões dos irmãos Brazão e de Rivaldo Barbosa, aliados próximos do ex-presidente usaram mais uma vez Marielle para tentar obter ganhos políticos.

Circularam fotos em que Domingos veste uma camiseta manifestando apoio à reeleição de Dilma Rousseff em 2014 (ironicamente, na foto, ele está ao lado de Eduardo Cunha, carrasco da ex-presidente). Mas ignoraram que Chiquinho apoiou Bolsonaro contra Lula em 2022, discursando em carro de som ao lado do senador Flávio Bolsonaro.

Continua após a publicidade

Por conta disso, há dúvidas de que, com a resolução do crime e a punição dos responsáveis, o bolsonarismo vá deixar Marielle, finalmente, descansar em paz.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL