Leonardo Sakamoto

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Reportagem

Protesto de auditores deixa 1.200 denúncias de escravidão sem apuração

Mais de 1.200 denúncias de casos de trabalho análogo ao de escravo deixaram de ser apuradas, desde janeiro, por conta de um protesto de auditores fiscais do trabalho. Eles exigem que o governo federal cumpra um acordo firmado com a categoria em 2016. Com isso, pessoas estão deixando de ser resgatadas pelo poder público.

Há grupos e profissionais dedicados ao tema nas Superintendências Regionais do Trabalho nos estados que estão paralisados. E as equipes nacionais do grupo especial de fiscalização móvel estão operando parcialmente. Minas Gerais, São Paulo, Pará, Rio de Janeiro e Goiás são unidades com grande quantidade de denúncias não atendidas.

A maioria das denúncias se refere a atividades de safristas de curta duração que, por isso, demandam rápido atendimento. Como parte significativa do trabalho escravo ocorre em atividades sazonais, se uma denúncia não é averiguada em tempo útil, o trabalhador pode ser dispensado e seus direitos nunca serão pagos.

De acordo com a Comissão Pastoral da Terra, cerca de 30% dos resgatados em lavouras em 2023 foram encontrados entre janeiro e março. E dois terços dos mais de 600 escravizados na cana-de-açúcar ganharam a liberdade nos primeiros três meses do ano. O que torna esse período crítico.

Além do combate ao trabalho escravo, outros setores da fiscalização trabalhista também estão com atividade reduzida.

A principal demanda dos auditores é a regulamentação do bônus de eficiência, que pode aumentar a remuneração deles diante do cumprimento de metas de produtividade, e foi acordado em 2016. Isso equipararia a categoria a outras no governo. Também pedem o aumento dos recursos à Inspeção do Trabalho e a melhoria das condições de trabalho.

O decreto número 11.971 foi publicado, em 1º de abril, trazendo a regulamentação do bônus. Contudo, o Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais do Trabalho (Sinait) orientou pela continuidade da mobilização até que a isonomia entre auditores da Receita Federal e os da área trabalhista seja garantida.

Questionado pela coluna, o Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos enviou uma nota afirmando que "o governo federal segue trabalhando para atender o acordo feito com os auditores fiscais do trabalho na mesa de negociação". E disse que foi criado por decreto presidencial um comitê gestor que irá definir critérios de produtividade para pagamento de bônus, conforme previsto na lei.

"O Ministério da Gestão reafirma o compromisso deste governo no diálogo aberto e democrático com os servidores públicos federais, buscando a valorização do serviço público", conclui.

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Auditores fiscais do trabalho reclamaram à coluna que acordos para valorização de carreira foram fechados com a Polícia Rodoviária Federal. O que, segundo eles, gerou insatisfação pois a cúpula da PRF é acusada de ser sido usada pelo governo anterior em sua tentativa de golpe de Estado, enquanto categorias que resistiram à desconstrução de políticas públicas, como a Inspeção do Trabalho e os profissionais do Ibama e do ICMBio, não estariam tendo o mesmo tratamento.

No Concurso Nacional Unificado, o governo abriu 900 vagas para repor o déficit de auditores fiscais do trabalho. O salário inicial é de R$ 22.921,71.

Brasil flagrou, em 2023, maior número de escravizados desde 2009

O Brasil encontrou 3.190 trabalhadores em condições análogas às de escravo em 2023. O número é o maior desde os 3.765 resgatados em 2009. Foram 598 operações de fiscalização e mais de R$ 12 milhões de verbas trabalhistas pagas nos resgates, dois recordes no período de um ano, segundo dados da Coordenação-Geral de Fiscalização para Erradicação do Trabalho Análogo ao de Escravizado e Tráfico de Pessoas do Ministério do Trabalho e Emprego.

Com isso, o país ultrapassou 63,4 mil trabalhadores flagrados desde a criação dos grupos especiais de fiscalização móvel, base do sistema de combate à escravidão no país, em maio de 1995.

A atividade de onde mais trabalhadores foram resgatados foi o cultivo de café, seguida pelo plantio de cana-de-açúcar. Mas considerando a quantidade de operações de resgate, a atividade econômica campeã foi a criação de bovinos de corte, seguida por serviços domésticos. Goiás foi o estado com o maior número de resgatados, acompanhado por Minas Gerais.

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Desde a década de 1940, a legislação brasileira prevê a punição a esse crime. A essas formas dá-se o nome de trabalho escravo contemporâneo, escravidão contemporânea, condições análogas às de escravo.

De acordo com o artigo 149 do Código Penal, quatro elementos podem definir escravidão contemporânea por aqui: trabalho forçado (que envolve cerceamento do direito de ir e vir); servidão por dívida (um cativeiro atrelado a dívidas, muitas vezes fraudulentas); condições degradantes (trabalho que nega a dignidade humana, colocando em risco a saúde e a vida) e/ou jornada exaustiva (levar ao trabalhador ao completo esgotamento dado à intensidade da exploração, também colocando em risco sua saúde e vida).

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