O que o caso Cesare Battisti ensina a bolsonaristas foragidos na Argentina
Apesar dos casos e dos personagens serem diferentes, a situação do italiano Cesare Battisti no Brasil mostra que o caminho da extradição dos bolsonaristas foragidos na Argentina pode ser longo. Nesta quinta (6), a Polícia Federal realizou operação para prender foragidos ou indivíduos que, segundo a instituição, estavam se preparando para fugir, envolvidos nos ataques golpistas de 8 de janeiro de 2023.
A existência de bolsonaristas foragidos foi revelada por Eduardo Militão, em investigação do UOL.
Acusado de quatro homicídios na época em que fazia parte de um grupo da extrema esquerda de luta armada contra o governo italiano, Battisti passou quase 40 anos como fugitivo da Justiça do seu país. Esteve na França e no México, antes de chegar ao Brasil em 2004. Chegou a ser preso em 2007, mas teve assegurado o seu refúgio político por Lula, que assinou o documento no último dia de seu segundo mandato.
A Itália passou anos cobrando do Brasil a extradição, que foi negada. Após a primeira era petista ser interrompida pela derrubada de Dilma Rousseff, a prisão foi determinada pelo Supremo Tribunal Federal e o governo Michel Temer preparou o seu envio à Itália. Battisti tentou fugir, mas foi preso na Bolívia em 2019. Hoje, cumpre prisão perpétua sob o governo de extrema direita de Giorgia Meloni.
Motivações e personagens são diferentes, como já disse, e este texto não está entrando no mérito deles. Mas o caso Battisti lembra que o Estado brasileiro pode ter dificuldades semelhantes às da Itália para repatriar os foragidos da Justiça que se escafederam para a Argentina. O país vizinho está sob o governo de extrema direita de Javier Milei, simpático ao bolsonarismo.
Pois o argumento de que os foragidos eram, na verdade, defensores da liberdade pode ser usado por um lado ou por outro do espectro político. Um dos dois pode ter eventualmente razão e o outro não, mas isso é suficiente para justificar decisões.
Coluna de Carla Araújo, do UOL, nesta sexta (7), revela que a cúpula da Polícia Federal vai definir com o Ministério das Relações Exteriores e com o STF a estratégia para capturar os foragidos. Devem entrar com pedidos de extradição já levando em conta que eles entraram com solicitação de refúgio ao governo vizinho e ao Uruguai.
Um grupo de deputados federais bolsonaristas capitaneado por Eduardo Bolsonaro (PL-SP) foi a Buenos Aires para um evento de uma deputada aliada de Milei. Lá pediram que os brasileiros considerados foragidos pelos ataques golpistas fossem recebidos como asilados políticos.
Milei pode tomar uma decisão pragmática, pensando inclusive na boa relação política e na sua dependência econômica com o vizinho. Mas ele vem tentando construir sua imagem internacional como líder da extrema direita - um exemplo foi o ataque à esposa do primeiro-ministro espanhol Pedro Sánchez durante um evento do partido extremista Vox em Madri. Por isso, a negativa da extradição, lembrando o instituto do asilo político, forte na América Latina, é bastante plausível.
Nesse caso, uma extradição ocorreria apenas quando Milei não mais comandasse a Casa Rosada. E, claro, estivesse no poder da Argentina um grupo alinhado com o campo democrático no Brasil - isso se o Brasil, nesse momento futuro, ainda contar com alguém do campo democrático no Presidência da República.