Qual o maior problema da sua cidade: Educação, Saúde, Hamas ou Maduro?
Escolas sem papel higiênico, falta de remédios em postos de saúde, quadras e parques jogados às traças, creches em quantidade insuficiente, transporte público caro, acúmulo de lixo e sensação de insegurança são desafios de muitas cidades. Mas para uma parte do eleitorado o principal tema a ser discutido nas eleições municipais é o terrorismo do Hamas ou a violência de Maduro.
Sejam em debates na TV, em brigas nas ruas de grandes cidades ou em propaganda eleitoral (ilegalmente antecipada), a impressão é que estaremos escolhendo um ministro das Relações Exteriores ou um secretário-geral das Nações Unidas, em outubro, e não alguém para cuidar dos problemas do território em que vivemos.
É grave a situação no Oriente Médio após o ataque terrorista do Hamas deixar mais de 1.100 mortos em Israel e a resposta do governo de Benjamin Netanyahu ser um crime de guerra com quase 70 mil cadáveres em Gaza. Da mesma forma, é extremamente preocupante que o governo de Nicolás Maduro esteja escondendo as atas eleitorais que provariam o resultado da eleição e reprimindo violentamente os protestos da oposição. Vivemos em um mundo conectado, e o que acontece lá reverbera aqui e, por isso, são pautas nacionais.
Mas transformar os dois temas em assuntos centrais do pleito municipal interessa a 1) quem não é capaz de produzir um debate qualificado sobre as demandas da população da cidade em que deseja ser prefeito ou vereador; 2) a grupos interessados em excitar o eleitorado mais radical, acordando a ultrapolarização existente, para ser instrumentalizado na campanha. Em ambos os casos, perde o interesse da cidade.
Essa estratégia é, claro, hipócrita porque quando tratamos de Gaza/Israel e Venezuela, estamos falando de violações a direitos humanos. E não há problema em questionar alguém sobre sua visão de direitos humanos nesses conflitos. Mas, ironicamente, muitos dos mesmos grupos e personagens que cobram um posicionamento sobre os direitos humanos fora do Brasil são aqueles que pisam nos direitos humanos aqui dentro com discursos misóginos, homotransfóbicos, fundamentalistas e violentos. Vendem-se como pessoas revolucionárias e contestadoras, mas, na verdade, agem de forma a manter as coisas como sempre foram.
Precisamos falar de direitos humanos sim, o respeito desse mínimo civilizacional lá fora, mas também aqui dentro. E como garantir que os municípios, dentro da competência que lhes cabe na federação, pode ajudar a colocá-los em prática.
Pois direitos humanos é combater a fome, é atuar para que crianças não precisem trabalhar, que idosos não sejam deixados para morrer à própria sorte, que pessoas vivam sob um teto, que não exista exploração sexual de crianças e adolescentes, que a migrantes pobres seja garantida a mesma dignidade conferida a migrantes ricos, que todas as crenças sejam respeitadas e a não crença também, que mulheres não sejam tratadas como objetos, que não se tolere o racismo, que ninguém tenha medo de morrer por sua identidade ou por amar alguém, que todos tenham acesso à água potável e a um ar respirável, que qualquer um possa abrir um negócio se quiser, frequentar uma associação, eleger ou ser eleito. Mas também que ninguém precise temer ser torturado e morto pelo Estado.
Tudo isso está também na órbita municipal. Mas é mais fácil falar do que está acontecendo lá fora, e fora de nossa competência, do que tratar do assunto que está aqui e agora, pois as respostas demandam conhecimento que muitos nem sonham em ter.