Eleição é última chance para evitar que crime sequestre de vez a política
Desde a redemocratização, o Brasil não vive uma eleição tão tensa. Em 2018, os ânimos se armaram; em 2022, eleitores foram mortos por eleitores. Mas, em 2024, facções criminosas estão se dedicando a atingir o poder de uma forma nunca vista. E isso deveria ser motivo de pânico. Afinal, se acham que a vida é ruim com políticos que agem como criminosos, imagine com criminosos que agem como políticos.
A expansão das milícias e do crime organizado na política não é novidade, basta ver a barafunda na qual se tornou o estado do Rio de Janeiro. A política já está contaminada por milícias e facções, mas a questão agora é outra: a entrada forte do crime no comando de municípios e de suas Câmara dos Vereadores pode representar o fim do período de política pacificada no Brasil.
Territórios controlados, que funcionam como currais eleitorais, garantem a eleição dos candidatos das facções — que, depois de empossados, vão ser prepostos dessas organizações, ajudando a matar se for preciso. Sai o coronelismo do detentor do poder econômico ou midiático, entra o do dono da boca, não raro amparado por quem usa o nome de Deus em vão.
Em São Paulo, a cúpula do PRTB, partido de Pablo Marçal, se orgulha da relação com o PCC - que, por sua vez, usou empresas de transporte urbano para lavar dinheiro na gestão Ricardo Nunes, segundo o Ministério Público.
Em João Pessoa, líderes da Nova Okaida são pegos em conversas promíscuas com a gestão do prefeito Cícero Lucena, candidato à reeleição, discutindo suas demandas políticas para ajudar no pleito.
O Comando Vermelho ajuda a eleger políticos em Arraial do Cabo para garantir estrutura de lavagem de dinheiro, de acordo com o MP-RJ. Em Manaus, o mesmo CV determina quais candidatos a prefeito e a vereador podem fazer campanha eleitoral em comunidades, além de onde e quando. E, para adentrar em seus territórios, há um preço a ser pago pelas campanhas.
Quem acha que o fundo do poço é um grupo político tentar um golpe de Estado ao perder a eleição, como o bolsonarismo entre o segundo turno de 2022 e 8 de janeiro do ano passado, precisa urgentemente rever seus conceitos. Sim, no fundo do poço há um alçapão que nos leva muito mais fundo, talvez em direção a um narcoestado. E a infiltração que vivemos até agora não é nada se comparada com o que deve vir.
O maior desafio da direita e da esquerda, pelo menos aquelas que se dizem democráticas, deveria ser evitar que as facções aumentem seu naco na política. Pois isso é um risco à própria existência de partidos e grupos políticos criados para defender interesses legítimos.
A questão é como abordar o assunto em larga escala. Há uma parcela da população que vive sob o domínio do crime organizado há tanto tempo que aceitou sua atuação como organizador da vida cotidiana, responsável por controlar o número de assaltos e até por algumas ações de assistência social.
Conversei com lideranças comunitárias da periferia de São Paulo que ponderaram que denunciar que determinado candidato tem relação direta com o PCC pode não causar o impacto esperado por conta dessa compreensível normalização. Para uma parcela grande da população, PCC, CV, entre outros, se tornaram parte são paisagem. Ou pior: substituem o Estado.
Há outra parcela que parece estar mais preocupada com tolos fantasmas do comunismo e inexistentes "kits gay" e "mamadeiras de piroca" do que com ameaças reais como estas. E tem o pessoal mais preocupado nas energias transcendentais que emanam do samba de sábado do que com a vida.
Estamos vivendo um ensaio de uma derrocada democrática, que ora vem através das ameaças silenciosas, ora chega chegando a som de bala. Sons de bala que vão substituir o Hino Nacional se nada for feito.