Leonardo Sakamoto

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Reportagem

Sob cerco de Israel, norte de Gaza espera pela morte, diz chefe de hospital

Mohammed Salha, diretor do hospital Al Awda, que atende o campo de refugiados de Jabalia, no norte da Faixa de Gaza, conversou com o UOL ao longo de dois dias — 16 e 17 de outubro. Entre um e outro, uma escola próxima foi alvo de um bombardeio de Israel, com 28 mortos, entre adultos e crianças. A contagem de corpos, pode, contudo, subir.

Segundo os palestinos, a escola tem sido usado como abrigo de civis após a invasão do exército israelense, que se seguiu ao ataque terrorista do Hamas que deixou mais de mil mortos em Israel em 7 de outubro de 2023.

Israel defendeu, em nota, que a escola Abu Hussein era usada como ponto de encontro de membros do Hamas. Até agora, mais de 42 mil palestinos foram mortos.

"Recebemos no hospital Al Awda mais de 40 feridos e quatro pessoas que chegaram mortas. Não sabemos quantos feridos e mortos o hospital Kamal Adwan recebeu. Neste momento, estamos operando a sétima pessoa para tentar salvar sua vida e temos mais quatro na fila", me contou, nesta quinta (17), Mohamed Salha.

"Um dos operados é meu sobrinho, filho da minha irmã. Fizemos uma cirurgia abdominal nele e agora está salvo. Mas vai precisar de uma semana por aqui", diz. O problema é que o governo de Benjamin Netanyahu mandou todos evacuarem a região.

Não é fácil evacuar o norte da Faixa de Gaza. Há mais de 200 mil pessoas. Como essas pessoas sairiam? E para onde? Não há lugar para ir, não há área segura para ir em Gaza. Então, as pessoas preferem ficar em casa, mesmo que elas estejam perigosas e sejam bombardeadas e mortas.
Mohammed Salha, diretor do hospital Al Awda

Salha disse que o hospital continuará aberto.

Veja trechos da entrevista abaixo:

Qual a situação humanitária do norte de Gaza neste momento?

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A situação humanitária no norte da Faixa de Gaza é horrível e muito dura. Não há comida, nem água filtrada. Em alguns lugares, nem há água potável. Temos também uma falta de medicamentos e suplementos médicos.

Há 13 dias, o campo de refugiados de Jabalia e o norte da Faixa de Gaza estão sitiados. E as forças de ocupação israelenses ainda estão bombardeando a região e destruindo as casas das pessoas, mirando abrigos e residências. Muitos dos feridos estão chegando ao hospital da Al Awda e outros hospitais no norte. Estamos lidando com dúzias de feridos.

No hospital Al Awda, nossa capacidade de atendimento foi afetada porque as forças de ocupação israelenses bombardearam dois andares e destruíram 50% da nossa capacidade em 21 de novembro do ano passado. A situação vem se tornando pior e pior e pior, e nós não sabemos quanto tempo esta última operação militar vai durar.

Estamos aumentando a capacidade para atendimento aos feridos para responder ao grande número. Mas precisamos de mais leitos. Hoje estamos tendo que dispensar alguns casos que precisam de intervenção, porque temos que priorizar. Aliás, nossas das salas de operações estão trabalhando 16 horas por dia sem parar.

Qual o impacto nos hospitais da região da ordem dada por Israel para evacuar o norte de Gaza?

As forças de ocupação israelenses ordenaram, recentemente, que três hospitais fossem evacuados. Estamos nos recusando a evacuar, porque oferecemos serviços de saúde para as pessoas seguindo os protocolos da Organização Mundial de Saúde (OMS), trabalhando na linha de frente de um conflito. Não podemos deixar nosso lugar.

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Você não pode imaginar o que seria se não houvesse o hospital Al Awda nestes 13 dias de cerco. Tivemos que lidar com centenas de feridos, e com mulheres que estão vindo ter bebês. Estamos fazendo cesarianas, partos normais de mulheres que estão presas no norte enquanto suas famílias estão na cidade de Gaza.

Enquanto estão no hospital, estamos cuidado delas e de seus bebês, garantindo higiene e comida até que este cerco se vá, e as forças de ocupação saiam da cidade de Gaza para que possam encontrar suas famílias. Se não houvesse o hospital, muitos mais morreriam.

É possível evacuar?

Não é fácil evacuar o norte da Faixa de Gaza. Há mais de 200 mil pessoas. Então, como essas pessoas sairiam? E para onde? Para onde? Não há lugar para ir, não há área segura para ir em Gaza. Então, as pessoas preferem ficar em casa, mesmo que sejam locais perigosos e as pessoas sejam bombardeadas e mortas.

As pessoas preferem morrer no norte e não vão evacuar. Porque sabem que estão mentindo para eles, dizendo que há áreas seguras, áreas humanitárias. Mas não há áreas seguras e áreas humanitárias. Estão bombardeando em todo lugar.

O hospital Al Awda de Jabalia tem sofrido cercos, ataques e prisões. Qual a situação neste momento?

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As forças de ocupação israelenses já haviam cercado o hospital duas vezes: uma em dezembro, quando arrastaram o Dr. Ahmed Muhanna [ex-diretor do hospital] e três pessoas de nossa equipe e mataram outros três de nossos funcionários, dentro do hospital, através de snipers [franco-atiradores].

Em maio, cercaram o hospital e forçaram a nossa equipe e os acompanhantes de pacientes a evacuarem. Eu fiquei aqui com 13 pessoas da minha equipe porque nos recusamos a evacuar, tínhamos que ficar com os nossos pacientes.

Agora nós estamos com medo de que eles vão forçar a evacuação do hospital. Todo mundo está com medo de morrer ou de ser preso. E nós sabemos que isso pode acontecer, mas ainda temos que garantir nossos serviços porque nosso povo precisa.

Alguma informação a respeito do paradeiro do Dr. Ahmad Muhanna?

Ninguém sabe onde ele está. Hoje faz 304 dias que ele foi levado para uma prisão israelense. Ninguém sabe o que estão fazendo com ele.

Reportagem

Texto que relata acontecimentos, baseado em fatos e dados observados ou verificados diretamente pelo jornalista ou obtidos pelo acesso a fontes jornalísticas reconhecidas e confiáveis.