Júri condena quem matou Marielle. Falta quem mandou matar e quem acobertou
Após seis anos de espera, os executores da vereadora Marielle Franco e de seu motorista Anderson Gomes foram condenados, nesta quinta (31), no Rio. Ronnie Lessa recebeu pena de 78 anos e 9 meses de prisão e Élcio Queiroz, de 59 anos e 8 meses. Foram mais de seis anos de mentiras, humilhações e xingamentos produzidos pela extrema direita contra a memória e a reputação de Marielle até que a Justiça começasse a ser feita.
Agora, falta condenar quem mandou matá-los. Até o início deste ano, essa era uma questão que padecia sem resposta. E sem os mandantes indicados, era difícil, inclusive, condenar Lessa e Queiroz, pois faltava um motivo. Agora, isso está próximo de acontecer graças à delação premiada de ambos e ao trabalho de investigação da Polícia Federal.
E a política e a polícia do Rio mandaram matar Marielle.
A prisão de Domingos e Chiquinho Brazão, respectivamente, conselheiro do Tribunal de Contas do Rio e deputado federal, como mandantes, em 24 de março, não foi exatamente uma surpresa, pois o sobrenome já circvulava. A grande surpresa foi Rivaldo Barbosa, então chefe da Polícia Civil. Ele teria recebido cascalho grosso para atrapalhar as investigações. Pior do que isso: informações reveladas pela imprensa apontam que ele deu aval para a execução e orientou como fazer.
Considerando que Barbosa recebeu a família de Marielle Franco no dia seguinte ao enterro e prometeu solucionar o crime, como relatou o ex-deputado federal e hoje presidente da Embratur Marcelo Freixo, a situação é nojenta até para os padrões da política fluminense.
Um chefe de polícia tem poder e recursos para mobilizar a estrutura sob seu comando, ou seja, toda a instituição, para garantir o abafamento de uma investigação. Além de Barbosa, o delegado Giniton Lages, que ficou à frente do caso Marielle na Delegacia de Homicídios no início das investigações, e o comissário de polícia Marco Antonio de Barros Pinto foram afastados por decisão do ministro Alexandre de Moraes, do STF.
E Barbosa foi indicado para a chefia da Polícia Civil na véspera da execução. Por que foi indicado? Isso estava nos planos do crime? A operação da Polícia Federal, da Procuradoria-Geral da República e do Ministério Público do Rio de Janeiro que prendeu os irmãos Brazão e Barbosa, mostrou as entranhas do apodrecido Estado do Rio de Janeiro. A efetividade das políticas públicas no Rio pode ser uma zorra, mas o crime dentro do poder público é bastante organizado.
Ao entender isso, fica mais fácil compreender como os mandantes permaneceram desconhecidos por anos, até que a Polícia Federal sob o governo Lula entrasse de sola no caso. Pois não basta identificar os mandantes e os motivos (interesses imobiliários na zona oeste da capital?), mas também mostrar quem protegeu os mandantes e a que custo. Dessa forma, a investigacão irá mostrar como uma parte desse crime organizado opera no coração da política fluminense.
Como já disse aqui, o pior Escritório do Crime não é o conjunto de milicianos e matadores de aluguel, mas o conjunto de interesses que impõe sua vontade na administração pública. Afinal, narcomilícias não receberam a confiança pelos votos dos eleitores.
O crime está tão entranhado que demanda uma refundação do Estado do Rio e uma repactuação com a sociedade. A questão é se a cúpula da política e de uma parte rica dessa sociedade, que ganha com a atual situação, vão querer isso de verdade. Pois o problema não fica apenas no controle de territórios por criminosos, extorquindo e matando pobres, mas está presente na propina paga para que empresas possam burlar a lei.
E pelo que vimos até aqui, diante de uma sociedade miliciana no Rio, com agentes de segurança determinando quem vive e quem morre de acordo com seus interesses pessoais, vale perguntar se, diante do novelo de lã que começa a ser desfiado a partir do caso Marielle, se a banda podre da polícia vai topar abrir mão desse poder sem guerra.