Braga Netto preso abre 'caça ao tesouro' das conspirações, diz professor
A prisão do general Braga Netto, neste sábado (14), por obstruir as investigações sobre a tentativa de golpe de Estado em que foi um dos protagonistas, inflamou teorias da conspiração nas redes sociais da extrema direita.
Em uma das mais bizarras, a operação teria servido para desviar a atenção sobre a internação de Lula no Hospital Sírio-Libanês, ou melhor, de um sósia que assumiu o seu lugar e estaria governando o país, como uma marionete do Supremo Tribunal Federal, de bilionários pedófilos, do governo chinês e dos Illuminati.
Em outra, a prisão teria o objetivo de encobrir a morte de Lula. Em mais uma, Marisa Letícia, esposa de Lula que faleceu em 2017, teria forjado a própria morte e se reencontraria com ele nas internações do presidente. E, claro, há a tese mais clássica, ou seja, que tudo seria parte de um complô para calar Jair Bolsonaro.
"Essas fantasias mirabolantes ganham tração justamente porque são fantasias. Há toda uma estrutura narrativa que é pensada para fomentar, em primeiro lugar, a dúvida, o suspense, alimenta-se o que tenho chamado de 'caça ao tesouro'", afirma Paolo Demoru, doutor em semiótica pela Universidade de Bolonha, na Itália, professor da Universidade Presbiteriana Mackenzie e pesquisador na PUC-SP.
"Essa caça ao tesouro é uma vontade de descoberta típica no discurso conspiratório da extrema direita, de que haveria uma seita de elites que estariam ali controlando o destino da população", avalia o professor, que é autor do recém-lançado "Políticas do Encanto: Extrema Direita e as Fantasias de Conspiração". Abaixo, uma breve entrevista com Demoru sobre o tema.
Por que fantasias mirabolantes como essa ganham tração?
Essas fantasias mirabolantes ganham tração, em primeiro lugar, justamente porque são fantasias. Ou seja, há toda uma estrutura narrativa pensada para fomentar a dúvida, o suspense, estratégias que são típicas do discurso fantasioso, da literatura, do cinema, das séries de televisão. Alimenta-se ali o que eu tenho chamado de uma "caça ao tesouro", essa expectativa pelos indícios que vão aparecer. Essa caça ao tesouro é uma vontade de descoberta típica no discurso conspiratório da extrema direita, de que haveria essa seita de elites, de establishment, que estariam ali controlando o destino da população mundial, da população brasileira.
Isso resume três pilares: nada é como parece, tudo está conectado e nada acontece por acaso. Então, vai juntando as pontas, cria os fios, cria a própria narrativa como uma fanfic, basicamente.
O segundo aspecto aqui a ser considerado é o fato de que elas criam um pertencimento coletivo. Nessa caça tesouro, que é uma caça tesouro coletiva, as pessoas se identificam umas com a outras e se identificam como parte de um pequeno grupo de eleitos. Os adeptos da teoria da conspiração se veem como uma elite do saber, daquelas pessoas que sabem o que está de fato por trás das aparências, que são conhecedores da verdade. E o terceiro aspecto é que essa caça ao tesouro tira a pessoa da mediocridade, a pessoa se sente importante.
Para ter uma vida em sociedade, é necessário que compartilhemos algumas visões de mundo em conjunto, como a esfericidade do planeta ou a efetividade de vacinas. Qual o impacto para a vida comum quando uma parcela da população coloca essas fantasias acima da realidade?
Isso está ligado um pouco à questão do pertencimento. Aqui é simples: quando a gente põe essas fantasias acima de outros aspectos centrais da realidade da convivência humana, perdemos o contato com o que realmente importa, com o real. Então você tem fenômenos como o ressurgimento de doenças quase extintas, como a poliomielite, ou a descrença no sistema democrático como um todo - o que leva à pavimentação discursiva de atos golpistas reais.
É muito interessante que essas teorias de conspiração são fomentadas justamente para aquelas pessoas que, depois, passam a desejar realizar complôs reais.
O quanto desse discurso conspiratório surge de forma orgânica e o quanto ele é estrategicamente plantado para manter o engajamento?
A gente sabe que é produzido, enfim, isso foi estudado por vários autores. No inquérito do golpe tem todo um aspecto sobre essa fábrica de fake news que iria movimentá-lo. Você tem todas as mentiras sobre, por exemplo, o sistema eleitoral, fraudes, a suposta não confiabilidade das urnas, as famílias do Itaú e o STF, e todas essas fantasias de conspiratórias que a gente teve que aguentar nesses anos todos, que a gente sabe que não são reais, mas para essas pessoas são. Esse é o ponto.
Elas criam essa realidade e dão espaço para que outras realidades mais impactantes do plano político, que se dão no plano político social, como o golpe, por exemplo, atuem. Não só pensadas, mas que cheguem ao ponto de serem realizadas concretamente. Depois dessa produção, pela própria lógica das redes, essas coisas ganham tração, visibilidade. A questão algorítmica ali é de fato fundamental, principalmente no X, mas também em tantas outras plataformas, mesmo Facebook, Instagram, sem falar daquelas culturas dos chan, Reddit, Discord. As pessoas leem o que desejam ler. Tudo isso caminha de maneira conjunta.