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Madeleine Lacsko

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

De Brennand a PCC, todo predador de mulher depende dos cúmplices

Thiago Brennand usa redes sociais para publicar fotos de viagens e momentos de diversão  - thiagobrennandfv/Instagram
Thiago Brennand usa redes sociais para publicar fotos de viagens e momentos de diversão Imagem: thiagobrennandfv/Instagram

Colunista do UOL

21/09/2022 15h25

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Obviamente, em todos os casos de violência contra a mulher, a culpa é do abusador. Assusta quantos cúmplices eles conseguem sem que essa parceria em ação ou omissão seja socialmente tratada como o que é: apoio.

Arrisco dizer que não há predador de mulher sem cúmplices. Fora casos dantescos de filme, que envolvem serial killers e atividades completamente fora do radar da sociedade, todos os demais são ajudados.

Por que esses ajudantes não são tratados socialmente como o que realmente são, cúmplices necessários para a violência? Não sei. Talvez para não perder a medalha de ouro em leniência moral que conquistamos.

Meu mestre Josmar Jozino e Herculano Barreto Filho tÊm coberto de forma brilhante aqui no UOL um dos casos mais escabrosos de violência contra a mulher dos últimos tempos. É algo socialmente profundo, que revela a força aglutinadora do abuso contra mulheres mesmo em grupos que verbalmente o rechaçam.

A "lei do cão", moralidade do sistema criminal, é conhecida pela intolerância completa com estupradores. O mesmo PCC que se diz contra estupros ordenou, em seu "tribunal do crime", a tortura e execução de uma mulher que se recusou a beijar um traficante da facção num bar em São Paulo. Talvez não seja o único caso.

Na moralidade torta do crime, quem diz não tolerar estuprador é cúmplice de estuprador amigo a ponto de compactuar com o assassinato da vítima. A lógica da proteção ao amigo abusador de mulher infelizmente não está só no crime organizado.

O caso de Thiago Brennand, empresário que ficou famoso depois de ser filmado agredindo uma mulher numa academia de luxo em São Paulo, a cada dia ganha contornos mais macabros.

Rico, ele foi expulso da própria família. Não aguentavam mais. Anteciparam a herança para cortar completamente o contato. Ele foi embora do Brasil antes de o Ministério Público pedir sua prisão.

As histórias que começaram a surgir após a denúncia são inacreditáveis. Além da enxurrada de acusações abuso sexual, há relatos de que ele tatuava à força as próprias iniciais em mulheres, à semelhança do que fazia com móveis e utensílios.

O Ministério Público de São Paulo vai ouvir vítimas semana que vem. Advogadas de um escritório abandonaram a defesa ontem. Eu fico imaginando quanta gente simplesmente fingiu não ver esse horror por conveniência. E mais, quantos ajudaram e agora se fazem de sonsos.

Não é possível alguém cometer abusos desse tipo em série e calar as vítimas sem contar com um exército de cúmplices. Alguns obviamente serão alcançados pela Justiça. Mas quantos outros, com participações menos centrais e igualmente perversas, viverão suas vidas sem o menor peso na consciência?

Se fosse possível desenhar esse tipo de contexto, poucas obras seriam mais perfeitas que a série documental "Saul Klein e o Império do Abuso", de UOL Mov. Os relatos são centrados no filho do fundador das Casas Bahia, mas resvalam também no histórico do pai.

Quantas centenas de pessoas participaram ativamente daqueles esquemas durante décadas enquanto iam à igreja no final de semana? Há, aqui e acolá, alguém mais mergulhado na história, como vítimas que se tornaram aliciadoras. Essas já arcam com o que fizeram.

Mas e os fornecedores de transporte, comida e segurança para as orgias? Os inúmeros funcionários da empresa que sabiam e ajudavam? Os fornecedores de roupas, fantasias e jóias para as moças aliciadas? Os escritórios responsáveis pelo "cala a boca" das mais rebeldes?

Esses sairão impunes e não porque nos faltam leis, mas porque nos faltam espinha dorsal e convicção plena de que mulheres são seres humanos, não danos colaterais.

Nem todo canalha é covarde, mas todo covarde é canalha. Sonsos são, além de canalhas, oportunistas. Temos o costume de tratar sonsos e covardes como "pacificadores". A "paz" promovida por eles é o império dos predadores de mulheres.