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Madeleine Lacsko

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Episódio da "taxação da Shein" coloca influencers na corda bamba

Shein - Getty Images
Shein Imagem: Getty Images

Colunista do UOL

18/04/2023 21h19

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O episódio da taxação de compras internacionais abaixo de US$ 50 coloca os influencers na corda bamba. A entrada deles na política é um fenômeno bastante curioso do nosso tempo. Influencers são mais parecidos com antipolítica do que com política, mas têm importância reconhecida nesse cenário.

A política trabalha com fatos concretos, dúvidas e construção de pontes. Influencers trabalham com excesso de certezas, frases de efeito e condenação peremptória de adversários, a queima de pontes.

Nesse episódio - que ninguém parece ter compreendido completamente até agora - o mundo político segue, mas os influencers ficam em maus lençóis.

O secretário da Receita Federal, Robson Barreirinhas, anunciou a medida e garantiu que o governo não voltaria atrás. Estava ali o primeiro desafio, que detalhei numa coluna anterior.

A ideia de taxar remessas de pessoa física abaixo de US$ 50 havia sido do ex-ministro da Economia Paulo Guedes. Na época, influencers famosos haviam dito que era preciso odiar os pobres para adotar algo assim. Quando o governo Lula anunciou a medida, precisaram calibrar o discurso novamente para elogiar de forma definitiva.

É óbvio que o alvo da medida não são as pessoas físicas que remetem coisas de pequeno valor do exterior, são os que se aproveitam da brecha para sonegar. Serviços comerciais fazem remessas como se fossem pessoas físicas e fracionam a mercadoria para que não seja taxada. Isso já criou todo um ecossistema econômico que se aproveita da brecha.

Caso não estivéssemos na economia da atenção e na apoteose da superficialidade, o assunto seria discutido como o que é, política tributária. Esperamos que um tema desses seja pensado com seriedade. Não é assim, no entanto, que ele é tratado pelos influencers na política.

A mesma medida pode ser vinda do céu ou do inferno dependendo de quem anuncia. Assim foi tratada, infelizmente.

Descobrimos agora que essa dinâmica tem um limite, o bolso das pessoas. Quando bate no bolso não tem influencer que dê conta de defender o governo apenas sinalizando virtude, apelando à moralidade de quinta categoria e buscando pureza. É um aprendizado importante.

Talvez essa avaliação tenha feito o presidente Bolsonaro rechaçar a medida, contrariando os desejos de seu ministro da Economia. Parece que foi o mesmo caminho percorrido pelo governo Lula, mas com uma diferença, a participação da primeira-dama que, oficialmente, não é parte do governo.

Logo após o anúncio pelo governo Lula, influencers correram para explicar a medida com uma carga impressionante de apelo moral e pela pureza. Todos temos de fazer sacrifícios para combater a sonegação, argumentaram. Houve os que apelaram ao desrespeito aos direitos humanos por parte de empresas que vendem produtos baratos demais.

O que dizer quando o governo desiste da medida? Alguns simplesmente fingiram que nada aconteceu. Segue o baile. Amanhã haverá uma nova polêmica, inflada por excesso de certezas, apelos morais e sinalização de virtude.

A matemática e a realidade, fundamentais para elaborar a política tributária, são as grandes vítimas da história. Existe uma fuga tributária pela brecha da isenção de encomendas pessoais abaixo de US$ 50. Como lidar com isso?

Muitos países resolveram não tributar encomendas de baixo valor, seja de pessoas físicas ou jurídicas. O custo de investigar e cobrar não compensa, a conta não fecha. Nos Estados Unidos, que são rigorosos com o pagamento de tributos, se isenta tudo abaixo de US$ 800. Acima disso, há rigor.

Poderíamos discutir qual o número mágico do Brasil. Com certeza é possível calcular um valor acima do qual vale a pena investir na investigação e cobrança dos impostos. Precisamos saber como lidar com serviços do tipo Ebay ou Mercado Livre, em que a plataforma não vende produtos, facilita a venda por terceiros que podem agir como pessoas físicas.

Ocorre que tudo isso é chato demais para captar atenção. Melhor investir em verdades absolutas vomitadas por influencers. Nos resta rezar para que a elaboração da política tributária seja feita por caminhos mais técnicos do que esse.