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Madeleine Lacsko

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Radicais do dinheiro sedimentam na sociedade a moralidade do centrão

Lula cumprimenta Lira - 11/01/2023 - ADRIANO MACHADO/REUTERS
Lula cumprimenta Lira - 11/01/2023 Imagem: ADRIANO MACHADO/REUTERS

Colunista do UOL

31/05/2023 17h40

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Arthur Lira mostra que está dobrando a aposta no poder do centrão. Misturou vários assuntos diferentes para emparedar o governo: o marco temporal, o bolsa família, o auxílio gás e a organização ministerial. Quando sedimentados na cúpula do poder, os métodos da biruta ideológica e da Lei de Gérson se instalam na sociedade.

O marco temporal das terras indígenas é uma briga que remonta à Constituição de 1988. Venceu ontem a tese jurídica de que os povos indígenas teriam direito de reivindicar a demarcação das terras que ocupavam até a promulgação da Constituição, que trouxe esse direito. O governo e movimentos indígenas eramcontra.

O governo Lula tem se pautado basicamente por dizer que é diferente de Jair Bolsonaro e por recriar programas sociais de sucesso. O novo bolsa família e o aumento de 50% no auxílio gás são fatos diferentes colocados na mesma discussão.

Foi necessária uma negociação dura para manter isso na noite de ontem. Lula acaba enfraquecido com a decisão de Lira de misturar tudo isso com a estrutura ministerial. Um presidente da República não pode simplesmente decidir como será seu ministério, precisa da aprovação do Congresso Nacional para a estrutura que propõe.

Na prática, Lula fez uma medida provisória instituindo seu ministério como idealizado pelo governo. Ela tem um prazo de validade, que expira na próxima quinta-feira. Se não for votada até lá, a estrutura do governo volta a ser a estabelecida por Jair Bolsonaro e referendada pelo parlamento.

O relator da Medida Provisória resolveu fazer alterações no que Lula idealizou. As principais são esvaziar o poder de Marina Silva e Sonia Guajajara, uma manobra que tem um ponto de toque com o tema do marco temporal. Agora já tem até destaque para extinguir o Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar.

Misturar tudo coloca o governo em um corner. Ele tem menos poder de negociação na estrutura ministerial porque vai precisar também negociar diversos outros assuntos cruciais para a governabilidade e o prosseguimento do projeto inicial.

A forma de negociação é o problema. Vivemos o presidencialismo de coalizão, um problema que talvez só seja resolvido com uma reforma política. O orçamento secreto complicou ainda mais o meio de campo.

Convencimento ou o futuro do Brasil deixam de ser importantes. Parlamentares, principalmente do centrão, priorizam seus próprios projetos de poder. Eles são erigidos sobre a liberação de emendas parlamentares e cargos públicos. Bilhões estão em jogo e notoriamente há um problema de corrupção nesse processo. Ainda que fosse tudo lícito, o dinheiro que promove melhorias nos municípios se torna a base da construção do poder político.

Criamos, na alta cúpula do poder, a lógica dos radicais do dinheiro. Ter poder depende de estar do lado para onde escoam essas emendas. Isso já é um problema gigantesco, que se alarga quando se torna certo o suficiente para se converter na moralidade nacional.

Não é de agora que diversos influencers se comportam ideologicamente como birutas de aeroporto, virando para o lado que o vento sopra. A passagem do petismo para o lavajatismo, o bolsonarismo e o petismo de novo deixa isso mais claro. Há influencers e blogueiros amigos que surfaram em todas as ondas.

Pessoas mudam de opinião. Muitos cidadãos, diante da polarização, oscilaram entre os polos. A diferença é a motivação ou a recompensa por essa mudança. Impossível saber exatamente por que alguém muda de opinião, mas é possível verificar objetivamente quem ganha ou perde com esse tipo de movimento.

Cidadãos comuns que mudam de opinião raramente têm uma recompensa por isso, muito pelo contrário, vão enfrentar o questionamento dos pares pela incoerência. Quando infuencers claramente ganham com a mudança de opinião, há quem coloque esses cidadãos no mesmo balaio, o que é injusto.

Isso faz com que a polarização seja acirrada e que as pessoas cada vez se aferrem mais às próprias opiniões e se agarrem às suas bolhas. Não querem ser vistas como oportunistas e, por isso, desprezam a realidade em nome do grupo.

Os radicais do dinheiro existem e isso é ancestral. O problema é quando eles triunfam. Na era das redes sociais, esse fenômeno ganha força e temos mais dificuldades em lidar com o que é novidade.

O centrão parece ter implementado sua moralidade na sociedade brasileira. Precisamos mais do que nunca trazer de volta ao debate público os fatos, princípios e propósitos.