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Madeleine Lacsko

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Luloafetivos cancelam dois de seus canceladores mais aguerridos

Estudo sobre a cultura do cancelamento - Divulgação/Mutato
Estudo sobre a cultura do cancelamento Imagem: Divulgação/Mutato

Colunista do UOL

05/06/2023 17h02

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Neste final de semana, dois dos canceladores mais prolíficos e famosos do universo luloafetivo foram cancelados pelos próprios pares. Ambos desativaram suas contas nas redes sociais depois de passar por um único dia o que provocam há anos contra outras pessoas.

O motivo da revolta é o posicionamento contra a indicação de Christiano Zanin para o Supremo Tribunal Federal. Os agora expurgados são influencers que sempre usaram o discurso da diversidade e reclamavam de mais um homem branco e hetero na composição da corte. Foram demolidos pelos próprios luloafetivos, os mesmos que até outro dia seguiam os comandos dos mesmos influencers para tratorar outras pessoas.

Curioso no caso de Zanin é que isso não ocorreu só entre praticantes de bullying que se dizem de esquerda, houve também entre os que se dizem de direita. Um dos mais aguerridos influencers bolsonaristas chegou a bater em deputados como Nikolas Ferreira por criticar a nomeação de Zanin. Justificativa? O novo ministro seria conservador.

Entre os influencers de oposição não houve expurgos. Mas entre aqueles que estão no poder sim. Infelizmente, foram tão virulentos e desleais com tanta gente durante os últimos anos que muitos comemoraram o que ocorreu. O fígado tende a gritar mais alto que o instinto de sobrevivência.

Um dos principais sentimentos ativados propositalmente pelas redes sociais para nos manter plugados e viciados é o Schadenfreude, palavra alemã que não tem tradução para o português. Trata-se do sentimento de prazer que sentimos ao ver alguém de quem não gostamos se dar mal. É precisamente o que o assassinato de reputação dos dois influencers gerou em um número absolutamente estrondoso de pessoas.
Paradoxalmente, parte da militância que se diz progresista tem um comportamento muito semelhante ao dos religiosos mais tradicionais. Quem, como eu, estudou em colégio de freiras de décadas atrás, reconhece nitidamente a mentalidade e o comportamento para enquadrar desviantes e calar críticas e questionamentos.

"A tal culpa católica é 'reconhecer privilégios'. E o Index Librorum Prohibitorum é a censura prévia de temas de piadas. Para mostrar devoção, use linguagem neutra. Sua opinião é pecado. Quem peca, é açoitado", resumiu minha amiga Paula Rosiska, professora da rede pública.

Muita gente que não se agacha às patrulhas dos políticos apanha diariamente tanto de luloafetivos quanto de bolsomínions há alguns anos. Eu, que tenho o privilégio de ser açoitada por essa gente fina, elegante e sincera, sempre estranho que eles jamais aguentem um único dia do que fazem diariamente na vida dos outros.

Meu amigo Bruno Filardi, oncologista, corrigiu minha percepção. São experiências diferentes. Há pessoas que só se manifestam apontando o dedo para os outros, atacando alguém e promovendo o esporte do ataque em grupo. Não raro, se dizem representantes de algum grupo oprimido enquanto paradoxalmente praticam opressão. Quando se tornam o alvo disso, o mundo colapsa, perde o sentido.

Quem não vive desses ataques e, mais ainda, os denuncia sistematicamente, obviamente será alvo e sofrerá com isso. Mas a visão de mundo dessas pessoas é confirmada pelo ataque em si. A pessoa recebe o golpe, tem danos e prejuízos mas suas posições e ações não perdem o sentido de ser.

Não é o caso dos dois cancelados de agora. Nos últimos anos, estiveram diariamente envolvidos com um movimento belicista de superioridade moral. Acreditaram nessa prática como forma de melhorar o mundo, ganharam notoriedade e fizeram laços profissionais e de amizade dessa forma. Quando se tornam o alvo desses pares, o que resta? Talvez voltar daqui a pouco pedindo desculpas pelo que não fizeram, no melhor estilo da expiação religiosa e olavista.

Populistas dizem defender causas e, na política digital, arrastam consigo uma série de influencers que repetem o discurso que a militância real de tais causas costuma fazer. Alguns deles acabam acreditando no discurso e é aí que mora o problema. No populismo, o líder jamais pode ser contrariado. Os expurgos estão só começando.