Topo

Madeleine Lacsko

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Bolsonaro tenta embolar o meio de campo do julgamento e Janja ajuda

A mulher de Lula, Janja, e o presidente Jair Bolsonaro - Evaristo Sá/AFP e Renato Pizzutto/Band
A mulher de Lula, Janja, e o presidente Jair Bolsonaro Imagem: Evaristo Sá/AFP e Renato Pizzutto/Band

Colunista do UOL

28/06/2023 19h09

Receba os novos posts desta coluna no seu e-mail

Email inválido

O julgamento de Jair Bolsonaro no TSE já pode ser visto como jogo jogado. Muito provavelmente, até os ministros que ele próprio indicou votarão pela inelegibilidade. O mundo político já conta com isso, inclusive o próprio ex-presidente, que inicia uma nova narrativa nas redes. Como o Brasil não é para amadores, uma postagem da primeira-dama Janja está ajudando na tarefa.

É sempre muito difícil traduzir para quem é de fora do mundo jurídico o que ocorre nele. Não é um problema exclusivo do Brasil. Existem regras, ritos e até uma linguagem acessível apenas a quem transita nesse meio. Mesmo entre os próprios ramos do Direito - penal, civil, tributário, eleitoral, por exemplo - há dificuldade de compreensão.

Há esforços históricos e sistemáticos do Poder Judiciário brasileiro para se aproximar do cidadão. Mas a tarefa é hercúlea. Nessa dificuldade floresce a criatividade dos políticos para recontar histórias e extrair discussões acaloradas pela tangente. Isso fica ainda mais presente num cenário de polarização política e sucesso de populistas.

Após o julgamento iniciado ontem, se dá como favas contadas que Jair Bolsonaro seja passado ao posto de cabo eleitoral, inelegível por oito anos. O bolsonarismo, no entanto, segue vivo. E ele se alimenta do antipetismo, que também busca alternativas de liderança fora do espectro bolsonarista. Fiz uma coluna só sobre isso no último dia 6 de junho.

O ex-presidente tem algumas alternativas de discurso para se manter relevante mesmo sem poder ser candidato. A primeira é a vitimização, o discurso da injustiça. Outra, mais ousada, é recuperar o discurso de ser o agente contra o sistema, a representação do "anti establishment".

Ele inicia esse storytelling por meio de um vídeo nas redes sociais em que se compara ao presidente do PDT, partido que pede a inelegibilidade dele. O pedido gira em torno daquela reunião dantesca com embaixadores, em que Bolsonaro diz que as urnas eletrônicas não são confiáveis.

Simplificar essa discussão até o nível de idiotização é tentador no mundo político porque engaja nas redes sociais. De um lado estão as teorias da conspiração. De outro lado está o negacionismo, alegando que as urnas eletrônicas são inquestionáveis.

Inquestionável é dogma de fé. Urnas eletrônicas não são dessa esfera, são da política e da democracia. Se não forem questionáveis, não são confiáveis. Sempre podem evoluir. E as urnas são confiáveis justamente porque são questionáveis, são efetivamente questionadas e colocadas à prova de forma transparente e periódica.

Jair Bolsonaro compartilhou um vídeo de Carlos Lupi, presidente do PDT e atual ministro da Previdência Social, defendendo em 2021 o modelo de urna eletrônica que também imprime o voto para conferência posterior. É uma discussão muito antiga, bem diferente do que o ex-presidente falou aos embaixadores e o TSE julga agora.

"Desde o surgimento da urna eletrônica, 25 anos atrás, nosso líder, nossa referência do partido, Leonel de Moura Brizola, já defendia uma coisa simples de se fazer: a impressão do voto. Para que possa votar lá, apertar o numerozinho do seu candidato, apertar o 12, você ver aquele papelzinho como se fosse esse papel que a gente, quando paga o cartão de crédito tem como recibo, cair numa urna transparente e ficar ali guardado. Quando se tiver desconfiança ou quando se tiver uma votação muito diferente de locais, você pode conferir esse voto. É esse o segredo de toda democracia no mundo, a possibilidade de recontagem, a possibilidade de conferência de voto", diz Lupi.

Qual é a narrativa de Jair Bolsonaro ao postar esse vídeo como resposta ao voto do relator do TSE? A de que ele pode ficar inelegível por fazer o mesmo questionamento feito por quem pede a inelegibilidade dele. Na militância e nas redes sociais, esse tipo de coisa inflama teorias de perseguição e conspiração.

Na tarde de hoje, a primeira-dama Janja postou uma foto com a legenda: "E o dia começou com uma excelente conversa essas duas mulheres maravilhosas!! Ministra @aniellefranco e a futura Senadora @gleisi". É algo sob medida para a narrativa bolsonarista.

Gleisi Hoffmann é deputada atualmente. Como se tornaria senadora? Caso ocorra a cassação de Sérgio Moro, pedida pelo partido de Bolsonaro, há a possibilidade de nova eleição no Paraná para a cadeira e a presidente do PT poderia ser candidata.

Basta um suspiro para que a militância bolsonarista coloque no mesmo balaio a cassação de Deltan Dallagnol, o exercício de futurismo sobre o caso Moro e o processo contra o ex-presidente.

Seria tudo uma reação do sistema contra os anti establishment. Mas não é o partido de Bolsonaro que quer cassar Sérgio Moro? Na apoteose da superficialidade, isso vira apenas um detalhe.

As próximas eleições presidenciais são apenas em 2026. Contando no calendário de narrativas de redes sociais, estamos diante de eras geológicas para contar, recontar e repaginar os fatos.