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Madeleine Lacsko

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Gilmar marca posição a favor de democracia, que não é relativa

2.mar.2021 - O ministro Gilmar Mendes durante sessão da 2ª turma do STF (Supremo Tribunal Federal) - Fellipe Sampaio /SCO/STF
2.mar.2021 - O ministro Gilmar Mendes durante sessão da 2ª turma do STF (Supremo Tribunal Federal) Imagem: Fellipe Sampaio /SCO/STF

Colunista do UOL

03/07/2023 18h35

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Foi apenas no Twitter, mas é um posicionamento importante a ser levado em consideração. Neste domingo, o ministro do STF Gilmar Mendes fez um fio na rede social explicando por que não podemos admitir a ideia de que o conceito de democracia seja tido como relativo. Ele não é.

O presidente Lula fez uma série de declarações inferindo que a autocracia eleitoral da Venezuela é uma democracia. Não é, é uma ditadura. Em uma coluna na semana passada, falei especificamente sobre a declaração feita à Rádio Gaúcha.

Como tem sido frequente na nossa política populista e polarizada, a cada declaração desfavorável surge um exército de tradutores de presidente. Vimos isso durante os quatro anos de Bolsonaro e, infelizmente, parece ter caído no gosto nacional.

A narrativa agora é de que existem vários tipos de democracia. Não poderíamos comparar, por exemplo, a democracia da Grécia antiga ao que vivemos agora. Só que não foi isso o que o presidente disse. Perguntado especificamente se a Venezuela é uma ditadura, disse que não porque tem eleições.

Foi confrontado, já que eleições não garantem democracia. Disse que o conceito é relativo. Não é. Democracia é o regime em que o governo é escolhido pelo povo em eleições livres. Ser livre implica que o mesmo método pode efetivamente alternar o poder. Isso não ocorre na Venezuela.

Existem vários institutos internacionais que medem os estágios da democracia no mundo e eles apontam diferenças entre os regimes democráticos. Um dos mais respeitados é do V-Dem, Varieties of Democracy, da Universidade de Gotemburgo, na Suécia.

O corte entre democracia e autocracia é muito bem definido, não tem nada de relativo. Há democracia quando a mesma estrutura que deu poder ao governo nacional atual efetivamente pode dar poder à oposição nas próximas eleições.

Entre as democracias há uma divisão básica entre as democraciais eleitorais e democracias liberais, denominação técnica que nada tem a ver com o liberalismo ou neoliberalismo. As democracias eleitorais são aquelas em que o voto efetivamente pode conduzir à alternância de poder do governo nacional. As liberais, além disso, têm duas características básicas: a primeira é o acesso seguro e efetivo do cidadão comum à justica e a segunda é a existência de leis claras, bem publicizadas, relativamente estáveis e aplicadas de maneira previsível. O Brasil é considerado uma democracia eleitoral pelo V-Dem.

Fora disso, há autocracias. Um modelo é a autocracia fechada, onde não há eleições nacionais ou então há eleições nacionais de partido único. O outro é a autocracia eleitoral, onde existem eleições mutipartidárias apenas para o legislativo ou até existem eleições multipartidárias para o Executivo mas sem nenhuma chance de alternância de poder devido ao sistema estabelecido. Infelizmente, os dois modelos estão em franca ascensão de acordo com os levantamentos anuais do V-Dem.

Nesse contexto, é fundamental para o debate nacional a postagem do ministro Gilmar Mendes, que transcrevo na íntegra:

"O conceito de democracia não é relativo. Após a superação dos regimes totalitários do século XX, a democracia não pode, seriamente, ser concebida como uma fórmula vazia, apta a aceitar qualquer conteúdo.

Não é democrático um regime político em que, por exemplo, o Chefe do Executivo vale-se do poder militar para subjugar Congresso e Judiciário (e para garantir a eliminação física dos cidadãos que ousem denunciar abusos ditatoriais).

A realização de eleições, em tal hipotético cenário, jamais poderia afiançar o caráter democrático de um regime político: aos eleitores não cumpre escolher entre governo e oposição, mas apenas referendar a vontade do ditador de plantão.

No Brasil, foi apenas após muito sangue derramado que a Assembleia Nacional Constituinte de 1988 adotou um modelo político democrático baseado em valores e princípios que não podem ser relativizados, como a separação dos poderes e os direitos fundamentais.

A Constituição de 1988 exige que não sejamos tolerantes com aqueles que pregam a sua destruição; e também demanda que não seja tripudiada a memória daqueles que morreram lutando pela democracia de hoje".

O recado está dado.