Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
Ao estimular uso de armas, bolsonarismo expõe população à violência letal
A ampliação, facilitação e flexibilização da posse e do porte de armas de fogo e a diminuição dos meios de controle de munições serão um dos principais legados do governo de Jair Bolsonaro (PL). As consequências dessas políticas de Estado são a banalização do uso da violência letal e a desvalorização da vida.
"Quando eu defendo o armamento da população como uma política de Estado, facilito o acesso a grandes arsenais de armas e munições e reduzo a capacidade do Estado de evitar que essas armas e munições sejam usadas pela criminalidade, de certa forma, eu acabo com um pacto democrático, com um acordo de que a violência não é o caminho que se deve escolher em uma democracia", afirma a assessora especial do Instituto Igarapé, Michele dos Ramos, pesquisadora na área de segurança pública e Justiça e profunda conhecedora das dinâmicas que envolvem armamento.
Bolsonaro atua na prática, com medidas e políticas públicas, e no discurso, com um comportamento incompatível a um líder de uma nação que se pretende democrática: estimula no imaginário coletivo que ter uma arma garante o que ele chama de "liberdade". Coloca o direito à vida como secundário. "Liberdade é mais importante que a vida", costuma repetir. Para ele, "um povo armado jamais será escravizado".
O Brasil nunca concedeu tantos registros de posse de armas. O Exército concedeu, em 2021, mais de mil registros por dia a caçadores, atiradores e colecionadores (CACs). Mais que o dobro do ano anterior, mobilizando toda uma indústria armamentista e engajando pessoas em uma paixão que aumenta a possibilidade de letalidade. Em três anos, corresponde a um aumento de 325%.
"Com esse bordão, ele ignora que o povo armado é o que mata o vizinho, o que atira em uma discussão de trânsito, é o que ameaça e mata a mulher durante uma briga em casa, é o que faz que crianças e adolescentes negros morram três vezes mais por armas de fogo do que crianças brancas no Brasil", diz Michele.
Poucos dias depois de o sargento da Marinha Aurélio Alves Bezerra matar o vizinho Durval Teófilo Filho com quatro tiros, o presidente apareceu alegremente em um clube de tiro. Ele legitima o uso da arma como um entretenimento. Escolhe ignorar as próprias características do país que governa. Com isso, põe em risco a população brasileira. O simples existência no ambiente de uma arma de fogo aumenta a possibilidade de morte. Como aconteceu no caso de Durval, um homem negro "confundido" com um criminoso.
"O Brasil é um país violento em muitas dimensões. É racista, machista e profundamente desigual. Diante dessa situação inaceitável, nosso compromisso como sociedade e como governo deveriam ser escolhas que levassem ao enfrentamento, à prevenção e à redução dessas diferentes violências e não ao seu agravamento. Mas o que a gente vê, sobretudo desde 2019, é uma intensificação desses discursos de ódio e de intolerância, uma indiferença e uma negação dessas violências e das mortes de brasileiros e brasileiras resultantes dessas violências por diferentes lideranças que ocupam espaços de tomada de decisão. Deveriam ser espaços de proteção e defesa da democracia e da vida da população brasileira", alerta a pesquisadora.
Quando Bolsonaro intensifica no ano eleitoral esses discursos e comportamentos, estimulando o uso de armas, ele mobiliza o potencial da violência privada para fins políticos. Uma dinâmica perigosa, que pretende atender o bolsonarismo radical e fiel, que irá às urnas a favor de Bolsonaro diante de quaisquer circunstâncias. São esses cerca de 23 a 25% de brasileiros que pensam como ele, que podem levar à disputa em um segundo turno.
Será também pelo voto que o país poderá mostrar que prefere lideranças responsáveis com a vida. "A tragédia da morte do Durval não é um caso isolado. É um caso potencializado por essa combinação de discursos de intolerância, de negação de violências estruturais no país e da aceitação da violência, incluindo a violência letal como um caminho de ação política e de ação social. É a contramão do pacto democrático, coloca em risco toda a sociedade, sobretudo as populações mais vulneráveis, a população negra, as mulheres, as crianças e os adolescentes", alerta Michele.
É preciso retomar a proteção da vida como centro da política de Estado.
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