Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
Com excludente de ilicitude, Bolsonaro reforça violência racial da polícia
A abordagem policial no Rio de Janeiro tem um perfil específico como foco: homens, negros, de até 40 anos, moradores de favela e periferia, com renda até três salários mínimos são os suspeitos. Do total de entrevistados para a pesquisa Datafolha "Elemento Suspeito", coordenada pelo Centro de Estudos de Segurança e Cidadania - CESeC, 68% dos abordados a pé são negros e 74% daqueles que foram parados pela polícia no transporte público são negros.
É inegável que a cor da pele é um fator prevalente na suspeição policial: dos que foram parados pela polícia e sofreram revista, 69% são negros; 79% dos que tiveram sua casa revistada pela polícia são negros; 74% dos que tiveram um parente ou amigo morto pela polícia são pessoas negras. Os dados reforçam o forte racismo policial.
A abordagem policial representa, portanto, risco de morte para essa população e uma angústia diária. "Saber que aquela não é a última vez... A angústia de saber que você tá propenso a sofrer aquilo todo dia...", disse um dos jovens negros que participaram da pesquisa. Viver com esse medo diário é reiterar a violência, não só para ele, como para todos os parentes, vizinhos, amigos, conhecidos.
Foi nesta segunda (15), por exemplo, que mais um jovem negro foi morto pela polícia. O rapaz negro Iago Machado, que vendia balas na rua, foi alvejado por um policial de folga, que, segundo a Polícia Militar, teria tentado intervir em uma suposta tentativa de roubo. A corporação alegou que o policial se defendeu e disparou a arma de fogo contra o jovem, que morreu no chão em frente às barcas de Niterói (RJ). Porém, ninguém mais estava armado. Iago era um suspeito.
O racismo estrutural e institucional que existe no país é de conhecimento de toda a sociedade desde que o Brasil é Brasil, uma nação montada sobre o trabalho escravo. Mesmo assim, consciente desse grave problema que é a violência racial da polícia, o presidente Jair Bolsonaro (PL) publicou, também nesta segunda (15), um vídeo antigo, de 2017, em que o porta-voz da PM do Rio, o tenente-coronel Ivan Blaz, se mostra indignado com uma reportagem do jornal O Globo sobre letalidade policial, como se essas vidas perdidas não fossem realidade.
Mortes em operações policiais e em abordagens são classificadas como "homicídios decorrentes de intervenção policial" e supõem que houve confrontos, ou seja, que as vítimas também estavam armadas e colocaram a vida dos policiais em perigo. A ideia de Jair Bolsonaro — também defendida pelo pré-candidato à Presidência, ex-ministro da Justiça e ex-juiz Sergio Moro (Podemos) — é que o policial envolvido em casos de homicídio como esses seja excluído de culpabilidade, se utilizando da chamada "excludente de ilicitude".
Jair e Moro querem a aprovação do Projeto de Lei 882/19, que estava no pacote anticrime e inclui no Código Penal um parágrafo que diz que "o juiz poderá reduzir a pena até a metade ou deixar de aplicá-la se o excesso decorrer de escusável medo, surpresa ou violenta emoção".
Medidas como essa desconsideram a dimensão do racismo que opera na prática policial não apenas no Rio de Janeiro como em todo o país: quase 80% das vítimas de intervenção policial com resultado morte são negras, de acordo com o levantamento mais recente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
"A taxa de letalidade policial entre negros é 2,8 vezes superior à taxa entre brancos", diz o estudo. A população negra brasileira corresponde a 56% da população total. Essa prática é, portanto, racismo. Temos hoje um presidente pré-candidato à reeleição e um ex-ministro da Justiça pré-candidato a presidente como defensores de um mecanismo que facilita essas práticas violentas e racistas e coloca nossa população negra na mira das armas de policiais e pessoas armadas.
De acordo com familiares, Iago vendia balas para conseguir recursos e comemorar o aniversário da filha de dois anos com uma festa.
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