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Mauricio Stycer

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

JN corrige algumas fake news, mas não evita que Bolsonaro repita mentiras

Colunista do UOL

22/08/2022 21h30

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Num tom mais ameno do que na entrevista de 2018, William Bonner e Renata Vasconcellos conseguiram apontar diferentes mentiras ditas por Jair Bolsonaro (PL) no "Jornal Nacional" desta segunda-feira (22). Mas, tentando não soarem agressivos, deixaram passar inúmeras outras fake news que o presidente tem repetido em suas manifestações públicas.

Candidato à reeleição, o presidente foi confrontado com firmeza em alguns momentos, mas mostrou controle e também evitou manifestações mais agressivas, como fez quatro anos atrás.

Muito esperado, o encontro do presidente com os apresentadores do Jornal Nacional pode ter decepcionado quem esperava uma batalha. Houve momentos de ironia, de parte a parte, mas nenhuma passagem mais tensa ou agressiva. Salvaram-se todos.

Nos primeiros dez minutos da entrevista, Bonner tentou arrancar de Bolsonaro um compromisso de que respeitaria o resultado das eleições sem ressalvas. Não conseguiu. O presidente disse que respeitaria desde que as eleições sejam "limpas".

Renata buscou insistentemente um reconhecimento por parte de Bolsonaro sobre a sua falta de compaixão com as vítimas da pandemia de coronavírus, mas também não conseguiu. O presidente repetiu à vontade lorotas sobre "tratamento precoce" e "lockdown".

Longe de mim querer ensinar a missa ao vigário, mas a equipe do JN poderia ter tentado confrontar Bolsonaro com algumas perguntas mais simples e objetivas. Também replicar o presidente em momentos que reproduziu fake news.

Bonner foi muito bem no início quando, na volta de uma resposta, lembrou que Bolsonaro não disse a verdade ao negar ter xingado ministros do STF ou do TSE. O presidente chamou o ministro Alexandre de Moraes de "canalha", lembrou o apresentador.

Esta postura não foi repetida em outros momentos. Usando linguagem futebolística, faltou recorrer ao VAR para conferir se Bolsonaro estava falando a verdade, ou não.

A série de entrevistas

Em 2002, pela primeira vez, o Jornal Nacional (JN) promoveu entrevistas com os principais candidatos à Presidência na bancada do telejornal. Na estreia da série, as entrevistas tiveram 10 minutos de duração. O tempo foi ampliado para 12 minutos em 2010 e para 15 minutos em 2014. Em 2018, planejou-se que o tempo seria de 25 minutos, mas após primeira entrevista, com Ciro Gomes, foi ampliado para 27.

Em 2006 e em 2014, quando Lula e Dilma, respectivamente, eram candidatos à reeleição, os apresentadores do JN se deslocaram a Brasília para entrevistá-los. A Globo decidiu não mais fazer isso e condicionou a entrevista de Bolsonaro, em 2022, à presença dele no estúdio, no Rio. Após uma hesitação inicial, o presidente se dobrou à exigência da emissora.

Outras duas novidades marcam esta nova rodada de entrevistas do JN. Primeiro, a duração dos encontros foi novamente ampliada, agora para 40 minutos. É um tempo realmente considerável. Segundo, a emissora transferiu as entrevistas para os Estúdios Globo, em Curicica, mas manteve a base do telejornal no Jardim Botânico. Ou seja, o JN abriu com Ana Paula Araujo e Helter Duarte no estúdio tradicional, cabendo a eles convocar Bonner e Renata no outro local, reforçando a impressão de que a entrevista é um quadro isolado do resto do telejornal.

A entrevista de 2018

Em 2018, Bolsonaro era um deputado federal em sétimo mandato, sem nada de relevante para mostrar, mas com um grande currículo de declarações ultrajantes. Seguia a prática que Roger Stone ensinou a Donald Trump: transformar a discussão política num show que mistura desinformação e ultraje. Um dos mantras de Stone era: "Você acha que os eleitores não sofisticados sabem diferenciar entretenimento de política?".

Bonner e Renata, presos ao formato de "discutir temas polêmicos das candidaturas", levantaram a bola para Bolsonaro reafirmar o seu ponto de vista sobre todas as questões que causavam choque e ultraje a parte do público, mas eram música aos ouvidos de uma parcela significativa dos eleitores. Afinal, nada mais fácil do que treinar previamente com assessores respostas para os "temas polêmicos".

Premiado pela ingenuidade dos apresentadores, o então candidato deitou e rolou, confrontando-os com questões pessoais (pejotização, o salário de Renata, o casamento de Bonner e situações de violência que ele próprio sofreu), capazes de constranger a dupla. Também encontrou brecha para falar do apoio da Globo ao golpe militar de 1964, ignorando o fato de a empresa já ter reconhecido que essa posição foi um erro.

Um caminho melhor, em 2018, teria sido o de questionamento sobre os planos de governo de Bolsonaro, as ideias do candidato sobre como resolver questões específicas nos campos da política econômica e social. Seria uma forma de aferir o seu grau de conhecimento sobre o país. Saindo-se bem ou mal, indo por esse caminho, creio que ele não teria tido a oportunidade de dar o show que deu na ocasião.