Abin espionou Gilmar e Moraes e buscou elo de ministros com PCC, diz PF
A PF (Polícia Federal) encontrou, em busca e apreensão na Abin (Agência Brasileira de Inteligência) no ano passado, um relatório detalhando uma ação de inteligência que buscava encontrar vínculos entre os ministros do STF (Supremo Tribunal Federal) Gilmar Mendes e Alexandre de Moraes e a facção criminosa PCC.
O documento, impresso, estava em uma pasta contendo relatórios de diversas "missões" encomendadas durante a gestão de Alexandre Ramagem (PL-RJ), diretor da agência de 2019 a 2022, hoje deputado federal. Ramagem negou o uso do sistema de espionagem do órgão durante o governo Bolsonaro (veja mais abaixo).
No documento que cita Gilmar Mendes e Alexandre de Moraes, há uma lista de vínculos que deveriam ser investigados para comprovar a suposta ligação com o PCC. Alexandre de Moraes já foi alvo de notícias falsas, associando-o à facção criminosa.
Ramagem foi alvo de busca e apreensão nesta quinta-feira (25), assim como policiais federais que pertenciam ao CIN (Centro de Inteligência Nacional), uma estrutura conhecida como "Abin paralela" por operar contra adversários do então presidente, Jair Bolsonaro, em ações que não passavam pelos trâmites normais da agência.
Foram encontradas anotações manuscritas sobre um documento chamado "Prévia Nini.docx", "cujo conteúdo remete à tentativa de associar deputados federais, bem como Exmo. Ministro Relator Alexandre de Moraes e outros parlamentares à organização criminosa PCC", descreveu a PGR (Procuradoria-Geral da República) no parecer sobre o caso, cujo sigilo foi levantado nesta quinta-feira.
"O arquivo 'Prévia Nini.docx' mostra a distorção, para fins políticos, da providência, indicando a pretensão última de relacionar a advogada Nicole Fabre e os ministros do Supremo Tribunal Federal Alexandre de Moraes e Gilmar Mendes com a organização criminosa Primeiro Comando da Capital - PCC, alimentando a difusão de fake news contra os magistrados da Suprema Corte".
A advogada Nicole Fabre representa a ONG Anjos da Liberdade, que defende direitos de pessoas encarceradas. A Abin monitorou os passos da advogada em visitas ao Congresso Nacional e ao Supremo, procurando uma suposta relação entre a atividade do instituto representado por ela e facções criminosas.
Em outra "missão", a PF encontrou ordem expressa de Alexandre Ramagem para monitorar Rodrigo Maia, presidente da Câmara dos Deputados no primeiro biênio da gestão de Bolsonaro, e Joice Hasselmann, que foi deputada federal no mesmo período, eleita pelo PSL em 2018, e rompeu com o então presidente.
A investigação da Polícia Federal avançou após compartilhamento de provas com a CGU (Controladoria-Geral da União), segundo fontes que estão a par do caso. A CGU conseguiu identificar os servidores responsáveis pela impressão dos dossiês da "Abin paralela", documentos que não eram trabalhos formais da agência, mas eram produzidos pelo núcleo coordenado por Ramagem.
Nesta quinta-feira, policiais federais cumprem 21 mandados de busca e apreensão, além de medidas cautelares diversas da prisão, incluindo a suspensão imediata do exercício das funções públicas de sete policiais federais. As buscas acontecem em Brasília, Juiz de Fora (MG), São João Del Rei (MG) e Rio de Janeiro.
O que disse Ramagem
Ramagem disse, em entrevista à GloboNews, que nem ele, nem os policiais federais que o acompanhavam acessaram o FirstMile. "Nós, da direção da PF, os policiais federais que estavam comigo, nunca tivemos a utilização, execução, gestão ou senha desses sistemas", afirmou.
O diretor responsável pela gestão dos sistemas foi exonerado após se negar a informar como trabalhava com a ferramenta, segundo Ramagem. "Quando se negaram a me informar como eles estavam trabalhando com a ferramenta, eu exonerei esse diretor, que era o chefe dessa ferramenta, e encaminhei todo o procedimento para a corregedoria."
O atual deputado federal chamou a operação da Polícia Federal sobre o caso de "salada de narrativas". "O que nós vemos é uma salada de narrativas, inclusive antigas, já superadas, colocadas para imputar negativamente, criminalmente no nome da gente sem qualquer conjunto probatório."
O que diz a defesa de Nicole Fabre
"A tentativa vil de criminalizar a atividade de ativistas de direitos humanos ligados a uma instituição com mais de duas décadas de atuação em favor de grupos vulneráveis esconde algo que não foi declarado nos aludidos relatórios.
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Quero receberA atuação desta advogada junto ao Instituto [Anjos da Liberdade], a qual foi objeto do monitoramento ilegal, se pautou na defesa de direitos humanos de pessoas encarceradas e de seus filhos que haviam sido privados da garantia constitucional de convivência familiar com seus pais. O uso político da defesa de direitos humanos com uma narrativa de criminalização só serve a grupos que se prestam a atentar contra a ordem democrática brasileira, o que será sempre objeto do mais profundo repúdio pela Dra. Nicole Fabre."
Flávia Fróes, advogada