Natália Portinari

Natália Portinari

Siga nas redes
Só para assinantesAssine UOL
Reportagem

Ministério liberou R$ 162 milhões em 'emenda em branco' na mira do STF

O Ministério da Agricultura e Pecuária liberou R$ 162 milhões em emendas de comissão sem apontar um destinatário — isto é, sem definir um estado ou município para receber a verba federal.

A manobra pode permitir um drible na decisão do STF (Supremo Tribunal Federal) que suspendeu as emendas de comissão. Pela falta de transparência, elas foram consideradas análogas às emendas de relator ("orçamento secreto"), proibidas em 2022.

Neste ano, foram empenhados R$ 10 bilhões até o ministro do STF Flávio Dino suspender essas emendas, no início de agosto, e cobrar explicações do Congresso.

Procurada, a pasta não informou se se trata de erro formal ou não e não quis responder se as emendas "em branco" serão canceladas.

A liberação de R$ 162 milhões, com orçamento da Comissão de Desenvolvimento Regional e Turismo do Senado, foi liberada com dois empenhos do ministério para si próprio em 18 e 19 de julho deste ano.

A resposta do ministério ao UOL foi a seguinte: "Trata-se de ajustes de empenho orçamentário interno, porém em correção, que seria realizado. Logo próximo à data, ocorreu o impedimento do STF para movimentações e empenho de dotações de RP 8 - Emenda de comissão. Assim ficamos impossibilitados de realizar os ajustes e cancelamento dessa nota de empenho até definição do STF em curso".

Traduzindo: o ministério não informa se vai ou não cancelar as emendas sem destinatário.

A verba que o ministério reservou serve para aquisição de equipamentos agrícolas, uma das modalidades preferidas pelo Congresso para atender bases eleitorais dos parlamentares.

Procurado, o senador Marcelo Castro (MDB-PI), presidente da comissão que indicou a verba usada pelo ministério no empenho "em branco", não respondeu até a publicação dessa reportagem.

Continua após a publicidade

Fora da regra

De acordo com as regras orçamentárias, o empenho é quando a verba prevista no orçamento fica reservada para o pagamento de uma obra ou serviço. Para isso, é preciso que haja uma finalidade específica, como um contrato ou um convênio que esteja precisando de dinheiro.

Nesse caso, porém, o beneficiário do empenho foi a Coordenação Geral de Execução Orçamentária e Financeira do próprio ministério, o que viola a lei orçamentária, segundo especialistas ouvidos pelo UOL.

Ao deixar a verba "reservada" para o final do ano, o ministério pode tentar manter a execução dessas emendas mesmo sem novas regras de transparência, a depender do resultado do julgamento do STF.

Segundo Moacir Marques da Silva, especialista em direito financeiro e um dos fundadores do Instituto Brasileiro de Contas Públicas, o beneficiário do empenho deveria ter sido um estado ou município que executasse o gasto.

"Parece que houve um mecanismo de garantir a execução do orçamento diante da iminente análise do Supremo", afirma.

Continua após a publicidade

O risco é que, no momento de pagar de fato a despesa, esse empenho seja modificado para incluir outros destinatários, "contrariando a recente decisão do STF".

"Minha recomendação é acompanhar o desdobramento desse empenho a fim de descobrir os reais interessados da despesa. Espero de fato que tenha sido um erro a ser corrigido."

A regulamentação das emendas de comissão ainda não ocorreu, mas deve prever, segundo discussões realizadas na semana passada, que obras em execução continuem, desde que se comprove que estavam em andamento. Esse não é o caso dos empenhos realizados pelo Mapa em julho.

Após um acordo entre Legislativo e Executivo que aprove essa regulamentação, o relator do processo, Flávio Dino, irá avaliar se as novas regras são suficientes para garantir a transparência e deliberar o que fazer com as emendas de comissão.

As emendas de comissão têm seu destino definido por ofícios enviados pelos presidentes de comissões temáticas, que chegam aos seus cargos através de acordos com os presidentes da Câmara dos Deputados e Senado.

Como mostrou o UOL, assessoras do senador Davi Alcolumbre (União-AP) e do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), estão por trás da distribuição de R$ 10 bilhões que já foram empenhados nessas emendas neste ano.

Reportagem

Texto que relata acontecimentos, baseado em fatos e dados observados ou verificados diretamente pelo jornalista ou obtidos pelo acesso a fontes jornalísticas reconhecidas e confiáveis.

Deixe seu comentário

Só para assinantes