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Olga Curado

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Bolsonaro é o escorpião que picará o Congresso-tartaruga que o carrega

O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) participa de cerimônia simbólica para entregar MP da Eletrobras ao Congresso - Mateus Bonomi/AGIF - Agência de Fotografia/Estadão Conteúdo
O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) participa de cerimônia simbólica para entregar MP da Eletrobras ao Congresso Imagem: Mateus Bonomi/AGIF - Agência de Fotografia/Estadão Conteúdo

Colunista do UOL

24/03/2021 15h22Atualizada em 24/03/2021 15h28

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O capitão junta autoridades em volta da mesa para escutar o que não quer ouvir e falar o que nega ter dito. O que é falado pelas autoridades: é preciso coordenar, com competência, planejamento e distribuição de insumos, de medicação, de vacinas; é preciso respeito à ciência, com máscaras, distanciamento e restrição de circulação. O que o capitão escuta: estamos bem!

Escorpião é escorpião. E pica a tartaruga depois que atravessa o rio montado nas costas dela. Não foge à própria natureza.

Bolsonaro faz de conta que muda para ficar tudo igual e tenta enrolar todo mundo no discurso negacionista, agora com o tom de quem aceita a vacina. Cria uma retórica meio envergonhada, mas que trai a si mesma quando fala ainda - e continua falando - em "tratamento precoce" e defende - pasme! - a vacinação.

Mas a cerimônia do dia, de mais uma comissão instalada para organizar saídas para a tragédia, é uma sinalização de que nada está acontecendo. Senão vejamos: quem, sentado naquela mesa palaciana, tem poder para mudar a realidade da falta de vacinas? O capitão e o Araújo, o pseudo-diplomata que é o chefe do Itamaraty, e o novo-meio ministro Queiroga. Todos cumpridores de ordens do capitão.

E o que prevalece é o que acredita o capitão reformado. Ele anuncia, sem ruborizar, sua convicção na importância da vacina. Mas diz que a situação hoje se deve a uma "nova doença".

Vergonha alheia ao escutar o presidente do Senado, o Pacheco, endossando que há sim "uma nova doença", como disse o capitão, para justificar a rapidez de contágio e da pilha de mortos e a sobrecarga dos hospitais.

Não contaram para o Pacheco e talvez não tenham contado para o presidente da Câmara, o Lira, que a disseminação desgovernada do vírus se dá exatamente porque o vírus ficou solto pela inépcia da gestão da pandemia. O vírus se transforma para se adaptar ao organismo que ataca, na medida em que se multiplica, e daí surgem as variantes. Daí o Brasil ter a pecha internacional de celeiro da covid-19.

O capitão está muito assustado. Mas isso não quer dizer que lhe caiu a ficha sobre a catástrofe que provocou. Ainda está tentando colorir a realidade com as tintas da ignorância. De nada vale a Associação Médica Brasileira divulgar carta aberta - mais uma - condenando o uso de medicação prescrita pelo capitão-cientista. A natureza negacionista é mais forte, está no DNA do capitão. Ele quer, sim, o direito dos médicos de prescreverem o remédio, mesmo sem que haja comprovação científica do seu benefício.

Agora temos diante de nós, os perplexos brasileiros, o destemor do capitão. Manda convite seletivo para o convescote, para anunciar um pacto nacional de enfrentamento da pandemia. Criou-se uma comissão. E todos sabemos qual o destino das comissões quando há uma crise. A função é acalmar os ânimos e enrolar as pessoas que estão cobrando providências imediatas.

Não ficou claro, depois do convescote, a trilha das soluções. É mais uma torcida para que o capitão tenha mudado. É uma súplica feita em coro para que se mude o rumo. Não ficou claro, depois da reunião da comissão, que há providências que respondam à tragédia brasileira. Mais um exercício de propaganda para que a responsabilidade pelo caos seja socializada.

Às cobranças simples faltam respostas.

Na prática, o que o país está cobrando é: cronograma realista de vacinação com mais vacinas. O que o país está cobrando é coragem política para assumir decisões que contrariam o senso negacionista do capitão.

O capitão não quer renunciar ao protagonismo, quer o palco, e sobre si todas as luzes. Embora, é preciso lembrar, tenha confessado publicamente estar castrado. Que seja isso um fato, assim a comissão-comitê fará sentido.

Se o capitão-escorpião quiser se manter no lugar de prescrever tratamento precoce "off label" e ainda continuar de mãos dadas com o chanceler que bombardeia as pontes diplomáticas essenciais para que o Brasil obtenha vacinas, a tal comissão é perfumaria. E não cheira bem.

E não é possível esquecer que, depois de atravessar o rio nas costas da tartaruga, o escorpião mata o bicho que o salvou.