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Olga Curado

ANÁLISE

Texto baseado no relato de acontecimentos, mas contextualizado a partir do conhecimento do jornalista sobre o tema; pode incluir interpretações do jornalista sobre os fatos.

Bolsonaro se apoia na "rachadinha" do orçamento para salvar a própria pele

Jair Bolsonaro sorrindo - Agência Brasil
Jair Bolsonaro sorrindo Imagem: Agência Brasil

Colunista do UOL

30/06/2021 13h47Atualizada em 30/06/2021 13h53

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O orçamento do governo federal tem penduricalhos que atendem a fome de poder fisiológico de nobres parlamentares. A imprensa denunciou um jabuti pendurado no dinheiro público para atender demandas de deputados em troca de apoio ao capitão reformado e à sua política de destruição nacional. Um requinte do toma-lá-dá-cá, em rubricas técnicas, dentro do orçamento.

O nome do jabuti é RP-9, emenda de relator. Numa representação feita ao STF (Supremo Tribunal Federal), no início do mês, o PSB diz que em "2020 e 2021 foram destinados, respectivamente, R$ 21,9 bilhões e R$ 18,5 bilhões às emendas do relator. Esses valores têm tido sua aplicação condicionada à discricionariedade do próprio relator (...)".

Na prática, são bilhões de reais do dinheiro público que não passam pelo escrutínio da transparência, que deve guiar a aplicação dos recursos da população, mas estes são utilizados pela verve de interesse do deputado ou do senador. Agora, de olho na campanha eleitoral de 2022, os senhores parlamentares estão com disponibilidade de caixa vultuosa, graças à determinada gestão de Arthur Lira, o prócer que se desincumbiu de alimentar deputados para que se mantenham quietinhos.

O jornal "O Estado de S. Paulo" tem denunciado a prática do orçamento secreto, que dá espaço para que os deputados e parlamentares usem o dinheiro público para compra de tratores, retroescavadeiras e qualquer bem ou serviço que atenda aos seus eleitores, em preços muito acima daqueles praticados pelo mercado regular. Sim, não é um mercado regular esse de apoio político, nem de compra de votos.

No clássico livro "Coronelismo, enxada e voto", Vitor Nunes Leal já contava como se montava o poder na República dos coronéis, a troca dos favores e das botas pelo voto. Os atuais donos do poder mostram que a história não foi esquecida, não foi superada. A velha ordem é o que consolida esse igualmente velho poder, da velha política, às nossas vistas.

É a nova rachadinha. Se a apropriação imoral de salários de funcionários fantasmas - que por si só configura abuso da fé pública e crime tipificado no Código Penal como peculato - agora o desembolso do dinheiro público, longe das vistas da fiscalização, é a nova rachadinha. Dado o volume de reais destinados à chamada base de apoio do capitão, o balança-mas-não-cai é menos que uma esperança, é a confiança de que tudo poderá ficar como está.

Não serão mais cem pedidos de impeachment, um superpedido de impedimento, o clamor das ruas, o panelaço das noites, as manifestações e a indignação popular, visível no derretimento do capitão nas pesquisas, suficientes para amolecer o coração de um presidente da Câmara que aprendeu direitinho como conduzir o seu povo para o cercadinho.

Igual à cenoura presa ao cabresto, estimulando o burro na jornada penosa, à frente dos deputados e senadores tem os milhões em reais para o gasto como queiram e irão, com a eleição garantida, significar mais uma temporada de imunidade parlamentar.

São os votos comprados com o dinheiro das pessoas que agora, lutando para sobreviver à tragédia do coronavírus, também desafiam a morte pela inanição, pela pobreza, igualmente fruto do descaso, mas não apenas. Indícios que vão além da incúria, inépcia, omissão e chantagem política: corrupção.

É de dentro do Congresso, da Câmara dos Deputados, que surge a informação de que o mecanismo da rachadinha é uma instituição para a qual se fazem vistas grossas. Dar pixulé, propina, parece ser parte de rituais que definem prioridades de gastos, de compra de insumos, de orientações para políticas públicas. Benza-nos! Que assim não seja. Mas há um rastro.

O rastro das rachadinhas: um dólar por vacina, a metade do salário, um orçamento secreto. E gente ganhando para dar troco em votos, para garantir a própria intimidade com palácios, em jantares de "networking", palavra que aqui quer dizer lobby disfarçado, para vergonha imposta ao povo brasileiro humilhado, que assiste a tudo isso com incredulidade e perplexidade.

O capitão tem o poder do pixulé. E isso, por enquanto, parece bastar.