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Olga Curado

ANÁLISE

Texto baseado no relato de acontecimentos, mas contextualizado a partir do conhecimento do jornalista sobre o tema; pode incluir interpretações do jornalista sobre os fatos.

Bolsonaro desafia: a quem servem as armas das Forças Armadas brasileiras?

Bolsonaro em solenidade de passagem do Comando Militar do Sudeste quando ainda candidato - Mastrangelo Reino - 03/mai.18/Folhapress
Bolsonaro em solenidade de passagem do Comando Militar do Sudeste quando ainda candidato Imagem: Mastrangelo Reino - 03/mai.18/Folhapress

Colunista do UOL

06/08/2021 16h56Atualizada em 06/08/2021 17h03

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Durante 444 dias (de 4 de novembro de 1979 a 20 de janeiro de 1981), 52 norte-americanos foram mantidos como reféns, após militantes islâmicos tomarem a embaixada americana em Teerã, numa manifestação em apoio ao aiatolá Khomeini, que assumiu o poder no Irã. A crise terminou com acordo assinado entre os governos do Irã e dos Estados Unidos, depois de fracassada incursão militar americana para resgatar os reféns.

A especulação pela imprensa em torno do desfecho da crise, do ponto de vista da ação do presidente americano Jimmy Carter - democrata que rompeu a tradição de reeleição, justamente pela gestão desse episódio - era baseada na agenda do presidente americano. Com quem falava e a quem escutava o presidente: diplomatas ou militares?

Com base na agenda presidencial, foi possível antever a decisão funesta de ação militar de resgate. Com quem conversava o presidente? A quem ouvia? Carter ouvia mais Zbigniew Brzezinski, conselheiro de segurança nacional, com maior inclinação militarista do que Cyrus Vance, secretário de Estado, ausente da agenda presidencial, defensor derrotado de solução negociada, e que deixou o governo com a crise ainda instalada.

A agenda do presidente da República do Brasil tem personagens insólitos. Deputada nazista é recebida; o tempo gasto pelo capitão é em cerimônias militares nos quatro cantos do país. O tempo do presidente é gasto em falas que põem em dúvida o respeito à Constituição.

Nas decisões sobre o manejo da pandemia, os ouvidos do capitão estavam disponíveis para os discursos negacionistas de porta-vozes anticiência; a eles aderiu e se tornou entusiasta. Agora, passada a cloroquina, com a vacina chegando pela determinação do povo que deseja o imunizante, volta-se para forçar o caos - antes tentou uma manobra contra governadores que praticaram medidas de restrição à circulação - agora, desafia a Carta Magna.

Há uma decisão a ser tomada, em nome do país, pelas lideranças políticas, de instituições civis e militares: Jair Messias Bolsonaro é o líder que fala em nome de cada um deles? As suas aspirações, visão e movimentos correspondem ao que essas lideranças com representação social, econômica, política e militar desejam para o Brasil?

Há uma outra avaliação a ser feita: o presidente eleito do Brasil pelo sistema atual, de democracia representativa, honra o juramento de respeito à Constituição, às leis?
E mais um juízo, que tanto as lideranças com responsabilidade, seja por mandato seja por conquista profissional, e a população brasileira precisam considerar: qual o custo para a vida nacional da subversão da democracia?

Falar em instituições, em regime de pesos e contrapesos na convivência e harmonia entre os Poderes, sustento da democracia, pode soar subjetivo para aqueles que não se amparam no entendimento do significado dessa heroica conquista do Brasil, depois da longa noite de chumbo.

Não têm aqueles que desprezam o direito de expressão, o direito de reunião, a liberdade de ir e vir, a experiência dos ardis dos estados policiais, que falam em nome de "transparência", de probidade. Caem no engodo que dissimula as reais intenções de ditadores de plantão, incautos, antigamente chamados de massa de manobra, hoje, milícias digitais.

Os comandantes militares têm sobre si a responsabilidade de conduzir tropas em defesa da integridade do país e do Estado de Direito. Têm sob a sua guarda também gerações que se entregaram ao ofício de soldado, inspiradas na defesa da pátria. Eles estão sendo hoje submetidos à retórica que toma de empréstimo as suas armas para ameaçar os valores que devem resguardar.

Um golpe não se faz com palavras. Elas pavimentam o caminho para a entrada das armas. São o estopim para o estabelecimento do conflito, para a perda da razão em nome de irracionalidade. Todavia, numa resposta automática à hierarquia de um comando.

Os generais, almirantes, brigadeiros têm as tropas; os governadores, as polícias.

O país tem a demanda por estabilidade, por legalidade, por gestão responsável, por desenvolvimento, por justiça social. À disposição de quem estão as armas?