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Opinião

As lições de uma das eleições mais sangrentas do Brasil

O Observatório de Violência Política e Eleitoral no Brasil, da Unirio (Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro), chamou a atenção para o aumento expressivo da violência política no pleito deste ano. Foram 338 episódios de violência política entre julho e setembro - um crescimento de quase 33% se comparado à última eleição, em 2022.

Embora hoje em dia tenhamos dados mais consolidados sobre violências nestes processos eleitorais, uma pesquisa histórica nos permite entender que episódios de violência que ameaçam a integridade de eleitores e candidatos é um problema existente há muito tempo.

E, por este motivo, já deveríamos ter condições de colocar em prática melhores mecanismos de controle que assegurem a vigência do Estado Democrático de Direito que tanto prezamos.

Uma tragédia específica, ainda nos tempos do Império, que resultou em mais de 20 mortes e outras tantas dezenas de pessoas feridas, nos dá a ideia do preço de não cuidar dos processos de segurança durante as eleições.

Em 27 de junho de 1880, um domingo, dia de eleições municipais na cidade pernambucana de Vitória de Santo Antão, eclodiu um grande conflito político. Vitória somava mais de 28 mil habitantes, segundo o Censo de 1872, e se localizava a cerca de 46 quilômetros de Recife, na região da Zona da Mata.

Àquela época, ainda vigorava a eleição em dois ciclos, isto é, os votantes elegiam os eleitores e os eleitores elegiam os candidatos. Foi a última eleição nesses moldes, nos quais os homens libertos com renda anual "adequada" poderiam ser autorizados a participar, mas somente como votantes. As mulheres só passaram a votar 52 anos depois.

Havia meses que os jornais tanto de Vitória quanto de Recife alertavam para possíveis convulsões da ordem pública devido ao clima acirrado entre os dois lados políticos que disputavam os cargos de vereadores, juiz de paz e delegado de polícia.

Além do embate já esperado entre Liberais e Conservadores, este primeiro grupo rachou em dois grandes grupos rivais, os "Liberais Leões" e os "Liberais Democratas". Estes últimos, enquanto oposição, se aliaram aos conservadores.

No dia anterior à tragédia, a força pública havia depositado as cédulas de votação e as urnas na Igreja de Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos, templo no qual a população negra costumava se encaminhar para fazer suas orações e se organizar social e politicamente por meio de irmandades religiosas. Isto porque a igreja da Matriz, responsável por receber o aparato eleitoral, estava em obras.

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Consta que foram mobilizados cerca de 80 praças nas proximidades da Igreja onde aconteceria o pleito, "afora os asseclas e capangas" também instruídos para a vigilância, conforme publicou o Diário de Pernambuco, de 30 de junho de 1880.

Este mesmo jornal informou que, três dias antes da instalação da mesa eleitoral, a igreja do Rosário dos Pretos havia sido arrombada por homens armados possivelmente ligados aos "Liberais Leões", facção governante, o que teria agravado ainda mais o clima de insegurança da cidade.

Aconteceu que a oposição formada por Conservadores e "Liberais Democratas", tida como maioria, marcou uma passeata para demonstrar força política, às 16h, do dia 27 de junho. A multidão levava consigo uma banda de música e a bandeira imperial.

Ao chegarem à praça do Rosário teria havido um desentendimento entre os manifestantes e o juiz municipal, este possivelmente ligado aos "liberais leões", que governavam a cidade.

Depois da discussão, uma "tropa que se achava na igreja, com as armas embaladas, e devidamente aprovisionadas de cartuchame, fez fogo sobre o grupo (...) matando muitas pessoas e ferindo um sem número de outras".

A hecatombe de Vitória e as eleições atuais

Entre os mortos estavam "liberais democratas" poderosos como Belmiro da Silveira Lins, barão da Escada, e José Pedro de Oliveira, ambos grandes fazendeiros da região. Além dos mais de vinte mortos e cerca de trinta pessoas gravemente feridas, estavam outras dezenas de vítimas menos graves.

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A tragédia tomou as páginas de vários jornais em todo o país, preocupando tanto as autoridades pernambucanas quanto as autoridades da Corte. O episódio sangrento passou a ser conhecido como a "hecatombe da Vitória". "Hecatombe" é um termo utilizado para designar um grande massacre de pessoas.

No ano seguinte, 1881, a eleição em dois ciclos deixou de existir, passando a ser somente de um ciclo e tentando excluir legalmente os analfabetos do processo eleitoral.

Deste modo, muitos homens livres e libertos já não poderiam comparecer às urnas, tendo seus direitos suprimidos num projeto de exclusão eleitoral que vigoraria até meados do século 20.

No entanto, é sabido que apesar das barreiras impostas ao exercício do voto e da cidadania, muitas pessoas negras conseguiram registrar-se enquanto eleitoras, forçando a ampliação de seus direitos e a sua participação em esferas de decisões relevantes para as suas experiências de liberdade.

O passado nos ensina muita coisa, inclusive para o processo eleitoral. Relembrar o banho de sangue de 1880 é alerta para lembrar onde podemos chegar caso não cuidemos da segurança nos processos eleitorais. Um descuido é o suficiente para regredir. Que em 2026 tenhamos um cenário melhor do que o deste ano.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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