Rodrigo Ratier

Rodrigo Ratier

Siga nas redes
Só para assinantesAssine UOL
Opinião

Votação 'a jato' para escola cívico-militar é populismo plebiscitário

Saiu no Diário Oficial do Estado do dia 18 de julho, mês de férias escolares, a lista de escolas que manifestaram interesse na implantação do programa cívico-militar no estado de São Paulo.

Quem aderir vai sofrer mudanças gigantescas: as escolas que receberem o projeto vão abrigar militares reformados para cuidar (em tese, só) da administração e passarão por transformações em suas rotinas e sistemas de ensino —dali por diante, pautado por disciplinamento, hierarquia e punição.

Escola cívico-militar de Goiás
Escola cívico-militar de Goiás Imagem: Divulgação

Como se espera em uma alteração de rota dessa magnitude, o processo depende da aprovação da comunidade.

O edital publicado no mesmo dia estabelece as regras para uma consulta pública. Estão convidados a dizer "sim" ou "não" à militarização: pai, mãe ou responsável, alunos com no mínimo 16 anos, professores e funcionários da unidade escolar. A maioria simples vence.

O edital fala em um processo que assegure "a ampla participação e transparência" da comunidade. Uma comissão consultiva, responsável pela organização da consulta pública, deve planejar e divulgar a votação, fornecer suporte técnico aos votantes e, mais importante, "realizar reuniões informativas com a comunidade escolar".

O documento também estabelece as datas para a votação: entre 1º e 15 de agosto de 2024.

Numa conta elementar, temos que todas as tarefas descritas dois parágrafos acima precisam ser realizadas no mínimo em 14 e no máximo em 28 dias.

Treze desses dias se passaram no período de férias, com a comunidade escolar desmobilizada. O restante vai se passar no início do semestre, período importante para a adaptação e o planejamento da segunda metade do ano letivo.

É um processo eleitoral "a jato". Há pouco tempo para tirar dúvidas, cobrar explicações, refletir coletivamente e com calma sobre a proposta.

Continua após a publicidade

Proposta que, aliás, é a única "candidata" do pleito. Por que o governo não oferece às escolas a possibilidade de se transformar em modelos exitosos existentes na própria rede?

Outro problema é o "drible" nos conselhos escolares, instâncias que precisam ser ouvidas nas transformações dos projetos político-pedagógicos das escolas. É preciso respeitar os mecanismos democráticos institucionais em cada unidade.

Caberia ao espaço representativo dos conselhos a escuta da comunidade, o levantamento de dados e o encaminhamento do debate. Militarização de escola não é tema que se discuta com o fígado, ou com base em crenças, ou em gostar ou não do governador.

Mas vai ser assim.

Por trás da aparência democrática, há uma tramitação apressada e sujeita ao populismo plebiscitário das falsas soluções fáceis para problemas complexos. A proposta cívico-militar —vamos traduzir: entregar parte da educação de crianças e jovens a policiais e bombeiros aposentados— não encontra respaldo nas ciências da educação, nem nos resultados das avaliações externas nem em lugar algum.

Apesar disso, não surpreenderá que a proposta saia vencedora na maioria das 302 escolas candidatas a receber o modelo. Sem o debate necessário, estereótipos, emoções e a experiência pregressa como aluno ("no tempo da palmatória é que era bom") guiam as decisões.

A Prefeitura de São Paulo, pelo visto, vai na mesma linha. Em sabatina promovida pelo Centro do Professorado Paulista (CPP), Ricardo Nunes, candidato à reeleição, disse que vai ouvir a comunidade antes de implantar o modelo cívico-militar.

Continua após a publicidade

Se seguir o modelo do governo do estado, terá apenas a aparência de democracia. Talvez a intenção seja exatamente essa.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

Deixe seu comentário

Só para assinantes