Cadeirada é barbárie, não há meme que normalize o absurdo
Como você se sentiu ao ver a cadeirada de Datena em Marçal?
Para mim, foi um mal estar físico. Uma náusea comparada a outros dois momentos: o de Bolsonaro no comício de 21 de outubro de 2018 quando ameaçou mandar a oposição para a "ponta da praia" — referência a lugar de desova de mortos na ditadura; e quando ele, já presidente, usou a rede nacional em 24 de março de 2020 para chamar de "gripezinha" uma epidemia que acabaria por matar mais de 700 mil brasileiros.
A degradação da sociedade é contínua, mas há ocorrências que têm o poder de sintetizar nossa descida às catacumbas da incivilidade e do esgarçamento ao laço social. Penso que estamos diante de uma delas. A cadeirada como símbolo de nossa relação tóxica com a barbárie, os memes como normalização do inaceitável.
A cadeirada não nasceu no debate. É possível listar alguns de seus ingredientes. Cresce desde 2013, se alimenta do humor ofensivo e desrespeitoso estilo Pânico na TV, tem uma versão beta com o Movimento Brasil Livre (MBL), ganha impulso com as recompensas de exposição via redes sociais (a barbárie dá visibilidade e lucro), resulta em duas campanhas presidenciais violentas, facada, mortes de militantes.
Estamos colhendo mais de uma década de omissões e ações que permitiram essa involução generalizada do que entendemos por ética, moral e compromisso institucional.
Pablo Marçal, como defendi em outro espaço, é sintoma dessa derrocada ampla. Não há novidade nisso. A campanha a prefeito de São Paulo é um desastre completo. Cheia de mentiras, crimes contra a honra e, agora, violência. Todos são responsáveis e Datena fez algo inominável, mas incorrer em assimetria é um erro. Pablo Marçal é quem puxa a todos para a lama.
Com suas agressões baratas, apelidos infantis, lorotas absurdas, provocações para gerar corte, vulgaridade em estado bruto. Seu território é o das redes sociais, o da forma sem conteúdo, que apela barra os baixos instintos.
Hipnotiza, alimenta o vício da conexão online, nos deixa mais expostos aos anúncios das plataformas. Que é tudo o que elas — e ele — querem, nessa bizarra aliança entre o atraso obscurantista e o pretensamente moderno.
Por dever de ofício, preciso assistir a debates e entrevistas com Marçal. Tenho me perguntado: a que serve uma sabatina ao vivo com alguém que mente compulsivamente? A que se presta um debate que começa com agressões verbais e termina em pugilato?
São formatos falidos, que não dão conta de esclarecer minimamente o que quer que seja sobre as questões que realmente importam: o que pensa e o que pode fazer um candidato.
Sugestões: tirar Datena e Marçal de todos os outros debates. Suspender sabatinas ao vivo. Exibir entrevistas apenas após checagem.
Duvido que alguém perderia algo com isso. Seria um recado pedagógico de que a vida em sociedade tem normas mínimas de convivência.
Cabe lembrar que a liberdade de expressão não é um direito absoluto, e que todo debate tem regras. Não consta que nas ágoras gregas, que servem de exemplo mitológico para a democracia, cidadãos se estropiavam com cadeiras no crânio ou argumentavam chamando os outros de arregão.
Deixe seu comentário