As demandas ocultas da educação que nenhum candidato menciona (mas deveria)
Construção de creches, ampliação de escolas, garantia de vagas, merenda e transporte escolar. Em época de disputa para prefeito e vereador, a lista de promessas associadas à educação costuma contemplar itens dessa natureza. São importantes, claro, mas raramente concentram o essencial para um ensino de qualidade.
Em um certo sentido, a educação é afetada pelo mesmo "mal eleitoral" que aflige outra área basilar, o saneamento: ambas são fundamentais, mas as engrenagens que fazem tudo funcionar ficam "enterradas". No caso da coleta e tratamento de esgoto, literalmente. No exemplo da educação, diluídas ao longo do espaço e do tempo.
"Há um trabalho invisível que raramente é mencionado. No entanto, é o que mantém a educação de pé e pode ser a diferença para uma rede pública de qualidade", afirma a pedagoga Cybele Amado. Mestre em Desenvolvimento e Gestão Social pela Universidade Federal da Bahia, Cybele fundou e dirigiu o Instituto Chapada de Educação e Pesquisa (Icep), que trabalha em conjunto com municípios baianos para a melhoria da qualidade da educação. No Ministério da Educação (MEC), atuou, ao longo de 2023, como diretora de Formação Docente e Valorização dos Profissionais da Educação.
Diálogo com a ponta
Para Cybele, as principais pautas educacionais das eleições - construção de novas escolas e garantia de vaga em creche - são "genéricas". "Sempre é possível aprimorar, mas a qualidade estrutural das escolas brasileiras melhorou bastante nas últimas décadas", afirma.
Por outro lado, falta conhecimento básico sobre como funciona a educação brasileira e sobre o papel dos municípios nessa engrenagem. A função é central: por estarem mais próximos da ponta do que outros níveis de governo, prefeitos e sobretudo vereadores podem ser peças importantes em uma conexão direta com cada unidade de ensino.
"Se o prefeito instaurasse diálogo permanente sobre como ajudar cada escola, já seria um grande avanço." O ideal é utilizar as instâncias já existentes para esse contato: conselhos escolares, Fóruns Municipais da Educação, Conselhos Municipais da Educação, Associação de Pais e Mestres. "Assim se fortalece a institucionalidade da gestão democrática", diz Cybele.
Seguir formando quem ensina
Outra demanda esquecida é a necessidade de qualificar as equipes técnicas dos municípios. Para além de professores, coordenadores e diretores, as Secretarias Municipais de Educação contam com uma equipe de profissionais responsável por supervisionar a qualidade de ensino e apoiar as escolas — em suma, garantir que a rede funcione adequadamente. "Bons supervisores técnicos são fundamentais para a cadeia distributiva e a arquitetura da formação continuada", afirma.
Cybele defende a necessidade de concurso público para reforçar as equipes com um perfil específico. "Não basta ser professor: entender o campo da gestão faz diferença." Nesse aspecto, a especialista sugere prioridade à formação continuada — a capacitação permanente que precisa ser oferecida aos professores que já estão atuando na rede.
Bons resultados sem um núcleo escolar com boa formação não é possível. A formação continuada ainda não tem o lugar que deveria ter. Meu sonho é instituir centros de formação continuada e, a partir deles, construir políticas públicas de formação. Não basta lançar projetos e programas isolados, como propõem diversas candidaturas. Não é sustentável nem durável. Um centro de formação poderia garantir essa institucionalidade.
Cybele Amado, pedagoga mestre em Desenvolvimento e Gestão Social pela Universidade Federal da Bahia
Na rede, uma escola ajuda a outra
A especialista faz também a defesa da colaboração — seu tema de pesquisa e sua especialidade de ação. A ideia parte da própria definição da palavra: trabalhar junto, o que pode ocorrer em várias camadas. Num nível intraescolar, pode-se fomentar dentro da escola a colaboração entre professores. Para isso, o gestor público precisa pensar em medidas como mudança de calendário, reorganização total ou parcial dos horários das disciplinas e fortalecer os colegiados — que, afinal, são os espaços em que os docentes podem dialogar sobre o dia a dia da escola.
O segundo nível é o interescolar, com uma escola compartilhando com a outra as boas práticas e soluções para problemas que todo mundo enfrenta. Dali parte-se para o nível territorial, envolvendo primeiro os bairros, no diálogo entre as redes municipal e estadual, e depois os municípios. "Nem todo mundo que trabalha no município é do município. Boas ideias começam a reverberar para os vizinhos."
Não custa olhar com atenção os planos de governo de seu candidato ou candidata para saber se algum desses pontos mereceu atenção.
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