Ronilso Pacheco

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Damares em instituição de Luther King é delírio cínico da extrema direita

A ex-ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos do governo Bolsonaro, Damares Alves, postou nas suas redes sociais na última quinta (15) sobre a visita feita por ela à sede da Conferência dos Líderes Cristãos do Sul, instituição em Atlanta, nos Estados Unidos, criada por Martin Luther King Jr.

É emblemático que Damares tenha coragem e a desfaçatez, uma vez que ela invisibilizou completamente a agenda de enfrentamento ao racismo e de políticas necessárias para os cuidados e a defesa das vidas negras do país. Mas também é estratégico.

A estratégia de disputar a memória e o sentido de Luther King não é nenhuma novidade, sendo típica entre ultraconservadores e fundamentalistas há décadas nos Estados Unidos. Faz tempo que o fundamentalismo evangélico branco busca se apropriar de sua imagem e dos seus discursos para distanciá-lo da imagem progressista, de esquerda ou liberal (no sentido teológico).

Disputar sentidos de coisas que se impõem na esfera pública como pautas relevantes, como direitos humanos, família, diversidade e racismo, é uma estratégia básica da extrema direita em todo o mundo.

Damares compõe a extrema direita no Brasil. Seu fundamentalismo religioso é nocivo para a vida social diversa, plural e laica no país. Sua gestão foi pífia na área dos direitos humanos, completamente ideologizada e fanática. Esta é a típica postagem cínica.

Basta lembrar a postura de Damares diante da repercussão do assassinato por espancamento do jovem congolês Moïse Mugenyi Kabagambe em um quiosque na Barra da Tijuca, em 2022. As repercussões começaram quando as imagens do seu cruel assassinato registrado pelas câmeras vieram a público em 30 de janeiro. Mas a comunicação oficial de Damares e seu ministério só veio no dia 2 de fevereiro.

No dia 1º, já em meio à forte repercussão, Damares encontrou tempo para fazer vídeo no Instagram em que brincava, de maneira infantilizada, sobre Bolsonaro ser "o lobo mau dos comunistas" e Michelle Bolsonaro ser "o terror das bruxas".

Chega a ser covardia justapor essa atitude medíocre e debochada à imagem de Luther King e sua luta pelos direitos civis. A segregação e o período pós-regime escravocrata nos Estados Unidos foram imediatamente seguidos pela lei da segregação racial e dos espancamentos às pessoas negras no sul do país. As pessoas negras consideram isso um dos episódios que eles chamam de "trauma".

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Ignorar e silenciar no momento imediato em que se sabe do linchamento de um negro africano no Brasil, gastando tempo fazendo piada infantilizada nas redes sociais é vergonhoso.

Difícil imaginar que King não estaria pessoalmente em qualquer favela ou complexo do Rio de Janeiro, ou São Paulo, ou Salvador, após a morte de uma criança negra, um adolescente negro, em decorrência das operações policiais.

Durante toda a sua gestão, nós vimos Damares ignorar por completo as consequências nefastas de operações policiais que desconsideram as vidas negras nas periferias e expõem nossas crianças e suas escolas ao escrutínio da violência. Sempre seguiu o silêncio de seu capitão.

Luther King nunca colocou o cristianismo como religião prioritária da vida social e política dos Estados Unidos. King não tolerava megaigrejas e megapastores, porque a riqueza e o poder que eles ostentavam, o conservadorismo hipócrita deles, era o que ele combatia.

Damares, muito pelo contrário, forçou o país e a ideia dos direitos humanos atrelados a uma explícita supremacia cristã. Numa entrevista, disse que era "hora de a igreja ocupar a nação". King teria pavor dessa frase e desse projeto. Ele jamais gastaria o seu tempo tentando emplacar a esdrúxula ideia de haver uma "cristofobia" nos Estados Unidos. Ao ouvir isso, King identificaria o fascismo de longe.

Damares faz parte daqueles que odeiam Luther King e sua mensagem. Parte do grupo que acha poético e evangélico repetir "I have a dream", mas preferem fingir que ele não falou, em uma pregação durante o funeral de um jovem negro assassinado em um protesto, que, embora o policial tenha puxado o gatilho, quem na verdade assassinou aquele jovem foi, também, "cada pastor branco que fica em silêncio diante de sua igreja branca".

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Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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