Ronilso Pacheco

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Opinião

Evangélicos de pesquisas confundem o governo e o debate

Lula aumenta a citação sobre Deus e milagres em seus discursos. O governo inclui "fé" como palavra central em um de seus programas. O ministro Silvio Almeida faz, como sempre, um discurso arrebatador recorrendo à imagem de Jesus menino ao lado dos Ibejis. A religião atravessa.

Desde que sentiu o impacto do resultado das pesquisas que apontavam o tamanho da desaprovação do presidente junto aos evangélicos, o governo Lula está buscando formas de reação.

As estratégias buscadas pelo governo seguem a ideia (explícita ou implícita) de que é preciso "conversar com os evangélicos". Mas a estratégia, seja qual for, tende a continuar fracassando enquanto carecer de uma leitura assertiva sobre a complexidade na qual o campo evangélico está imerso.

É preciso levar em consideração que o governo Bolsonaro e sua radicalização deixaram sequelas profundas no mundo evangélico conservador brasileiro. Imaginar que essa sequela será superada com uma "boa comunicação" não vai ajudar. Isso é estado de negação.

A população evangélica brasileira, majoritariamente, sempre teve um ethos conservador. Aliás, conservador é tipicamente o perfil da própria sociedade brasileira. Como, afinal, a população evangélica poderia ser? A máquina bolsonarista, no entanto, transformou parte desse conservadorismo em radicalização.

Se a estratégia do governo é equivocada, e sem a leitura correta, cada passo que o governo dá em direção aos evangélicos, tentando ao mesmo tempo fingir que não está fazendo isso (principalmente) para se aproximar dos evangélicos, é um empurrão de dez passos nas estratégias da extrema direita em direção aos evangélicos. Em outras palavras, a extrema direita vai chegar mais rápido.

Ao se orientar pelo que as pesquisas estão dizendo sobre o humor dos evangélicos com relação à gestão Lula, o governo foca energia em responder às pesquisas — e não em entender e interagir necessariamente com os evangélicos. Isso não quer dizer que as pesquisas são equivocadas ou imprecisas, mas vale destacar que não existe hoje, no Brasil, uma pesquisa que mergulhe na complexidade do universo evangélico.

Há um consenso sobre a diversidade do segmento e que não se trata de um grupo "monolítico", para usar uma palavra em ascensão para abordar o assunto. Mas todas as pesquisas parecem partir do pressuposto de que, no fundo, os evangélicos são sim um grupo monolítico, conservador e apegado a pautas morais. A diversidade evangélica é reconhecida, mas não é vista, e, portanto, parece não entrar no cálculo do governo.

Em confronto com o governo Lula, a extrema direita evangélica sabe que não tem poder de bater de frente. Malafaia, Magno Malta, Feliciano, Damares, não possuem apelo e força suficiente a ponto de serem uma ameaça ao governo Lula. Tudo que lhes resta é explorar politicamente os índices da desaprovação entre os evangélicos que tem sido apontada por institutos de pesquisas.

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Malafaia, hoje, é um fantasma que vive a implorar atenção, disposto a ir ao limite da ofensa e do ataque direto a um ministro do Supremo Tribunal Federal, à espera de atenção e mídia. Magno Malta está nichado entre o seu público e não tem qualquer relevância política no xadrez do Parlamento, além de oratória estridente em comícios em defesa de Bolsonaro e Israel.

Damares continua agarrada à única pauta que ela sabe ser possível exercer algum protagonismo e fazer a disputa com o governo e o campo progressista: a ideia de que ela é uma espécie de "amiga das crianças". Entre uma teoria da conspiração e outra, entre uma fake news e outra, ela vai tentando ganhar espaço, relevância política e reconhecimento no Parlamento, a despeito de sua robusta votação.

O governo pode, portanto, se preservar do desgaste de descrédito com ideias ambíguas como o uso estratégico de um linguajar mais religioso como sendo um passo em direção aos evangélicos. Isto só levanta uma bola para a extrema direita cortar como sendo nada mais do que uma estratégia, um "canto de sereia", um engodo para o governo ficar bem na fita, um "falsoprofetismo".

O bolsonarismo evangélico usa e abusa do deboche sobre isso, transforma isso em meme, e esses memes viram corrente de WhatsApp, mensagem de pregação aos domingos e tema de programas de rádio evangélica ao longo da semana. Não pode haver margem para erro no expurgo da extrema direita e a desarticulação de suas estratégias no Brasil.

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Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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