Policial que vazou informação sobre Queiroz não é Alexandre Ramagem
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Na entrevista que o empresário Paulo Marinho deu à repórter Mônica Bergamo, publicada hoje na Folha de S. Paulo, Marinho, ex-colaborador de campanha de Jair Bolsonaro, confirma que, em outubro de 2018, um integrante da Polícia Federal do Rio antecipou aos Bolsonaros que Fabrício Queiroz seria alvo de operação policial no caso da "rachadinha".
O delegado da Polícia Federal que vazou as informações sigilosas aos Bolsonaros não é o delegado Alexandre Ramagem, que o presidente quis nomear no mês passado para a diretoria geral da corporação. O policial (que, como Ramagem, atuou na Operação Furna da Onça) é conhecido na corporação por um apelido.
Na época, ele contou à família também que o relatório da Coaf que dera origem à investigação havia identificado a passagem de quantias milionárias na conta corrente do assessor de Flávio Bolsonaro. Queiroz teria movimentado mais de R$ 6 milhões no período de um ano —e não R$ 1,2 milhão como informaria no dia 6 de dezembro o jornal O Estado de S. Paulo, dono do furo que marcou a estreia da família Bolsonaro no noticiário policial.
A seguir, a história completa do vazamento da PF e seus desdobramentos, publicada no livro de minha autoria (Tormenta - O governo Bolsonaro: crises, intrigas e segredos; Companhia das Letras, 2019).
"Mas então veio o caso Queiroz.
O escândalo foi revelado no dia 6 de dezembro pelo jornal O Estado de S. Paulo. Dois meses antes, porém, os Bolsonaro já haviam sido avisados da iminência de o caso vir à tona. Logo depois do primeiro turno das eleições, no dia 7 de outubro, um delegado da Polícia Federal do Rio envolvido na Operação Furna da Onça fez chegar ao clã a informação de que um relatório do antigo Coaf ligava o gabinete de Flávio Bolsonaro —e o de outros vinte parlamentares da Assembleia Legislativa do Rio (Alerj) — à prática da "rachadinha", a manobra largamente disseminada no Brasil pela qual políticos se apropriam de parte do salário dos funcionários que contratam. De acordo com o Coaf, nove pessoas, funcionários e ex-funcionários do gabinete de Flávio Bolsonaro na Alerj, transferiram regularmente dinheiro para a conta de Fabrício Queiroz em datas que coincidem com os dias de pagamento. Logo em seguida o titular da conta sacava os valores em espécie. O nome de Queiroz era um entre os 75 funcionários da Alerj listados no relatório de 442 páginas do Coaf, uma peça do inquérito que embasou a Operação Furna da Onça — a qual, por sua vez, resultou de investigações sobre um esquema de corrupção na Alerj chefiado pelo grupo do ex-governador Sérgio Cabral.
Por meio do delegado amigo, os Bolsonaro também ficaram sabendo que o relatório do Coaf já estava sob investigação do Ministério Público Estadual do Rio, e que era milionária a movimentação suspeita identificada na conta corrente de Queiroz. O valor da movimentação que foi transmitido à família na época era pelo menos seis vezes maior do que o publicado na reportagem do Estado de S. Paulo — de 1,2 milhão de reais no período de um ano. Até aquele momento, não havia chegado ao conhecimento do clã a informação de que existiam comprovantes de depósitos de 24 mil reais de Queiroz na conta de Michelle.
Embora Queiroz tenha sido apresentado inicialmente como motorista e depois assessor de Flávio, no entorno carioca do presidente não era segredo que o ex-policial militar era homem de confiança do ex-capitão. Quando tinha dezoito anos, Queiroz prestou serviço militar na Brigada de Infantaria Paraquedista, onde conheceu Bolsonaro. Desde então se tornou seu companheiro de churrascos, pesca e arquibancada (Queiroz é vascaíno). O ex-PM participou de quase todas as campanhas eleitorais de Bolsonaro — como assessor informal, cabo eleitoral e segurança. Quando o primogênito se candidatou a deputado pela primeira vez, em 2002, aos 21 anos de idade, foi Queiroz quem, a pedido de Bolsonaro, buscou votos com o estreante em quartéis militares e outros ambientes frequentados por policiais e ex-policiais.
Flávio exonerou Queiroz no dia 16 de outubro, tão logo foi informado da iminência do escândalo. A notícia de que o assessor do filho mais velho de Bolsonaro fora desligado por estar sob investigação circulou entre colaboradores de campanha, mas os detalhes permaneceram restritos ao núcleo familiar. Quando a reportagem do Estado de S. Paulo veio a público e soube-se que havia um cheque na conta da primeira-dama — uma informação que ameaçava colocar o provável futuro presidente na investigação —, Bolsonaro pediu a um amigo que procurasse a ajuda de advogados. A partir daí, dois grandes escritórios, o Moraes Pitombo, de São Paulo, e outro do mesmo gabarito, no Rio, passaram a trabalhar numa estratégia para circunscrever o escândalo ao nome de Queiroz.
Além do advogado designado para atender o ex-PM, os escritórios reservaram dois outros defensores para cuidar de Flávio e, se preciso, de Bolsonaro. Queiroz, de início assustado, recebeu "colo, carinho e tratamento à base de mamadeira com Nescau", nas palavras de um dos advogados envolvidos na operação. Este advogado diz não saber se o trato com o acusado envolveu dinheiro. Até onde foi informado, diz ele, a "mamadeira" incluía unicamente promessas de "não abandono" e de assistência jurídica. Para bem impressionar o assessor, amigos da família Bolsonaro o levaram para conhecer o suntuoso escritório de advocacia do Rio que iria orientar sua defesa. Naquela época, Queiroz ainda não havia sido diagnosticado com o câncer de intestino que o fez passar por uma cirurgia no dia 1º de janeiro de 2019.
O depoimento do ex-militar ao mp estava marcado para o dia 19 de dezembro, uma quarta-feira. Ficou acertado com Bolsonaro que o assessor de Flávio compareceria ao interrogatório e, por orientação da defesa, diria não poder falar até que seu advogado tivesse acesso aos autos. O depoente gostaria, porém, de adiantar que tudo o que ocorreu era de inteira responsabilidade sua — nenhum Bolsonaro tinha nada a ver com aquilo. Com a tática, os advogados pretendiam fazer o caso "esfriar" sem que Queiroz ficasse com fama de fujão. Ao mesmo tempo, protegeriam a imagem de Flávio e do presidente recém-eleito com a única declaração que o assessor daria na ocasião. Os advogados tinham a convicção de que conseguiriam "matar o caso na origem". Para tanto, contavam com uma irregularidade formal que haviam identificado na investigação do Ministério Público do Rio: "Para terem chegado àquele ponto, os membros do mp precisariam de autorização judicial, que não tinham", disse um dos advogados.
Dois dias antes da data estabelecida para o depoimento, Bolsonaro mandou abortar a operação — Queiroz não deveria mais comparecer ao interrogatório. "Vamos resolver de outra maneira", disse. O presidente eleito fora convencido por um advogado amigo que a melhor estratégia para abafar a história era tirar Queiroz e o Ministério Público Estadual do cenário e, por meio do foro privilegiado de Flávio, jogar o caso para o STF — onde poderiam resolvê-lo "de outra maneira". O nome do advogado amigo era Frederick Wassef.
Wassef conheceu Bolsonaro quando o deputado ainda era um azarão na campanha presidencial. Com 1,90 m de altura, ele é fã de armas e tem uma coleção delas em casa. Quando oferece jantares, gosta de irromper na sala portando uma em cada mão para impressionar os convidados. Nos anos 90, frequentou uma seita espírita argentina chamada Lineamento Universal Superior, conhecida como LUS, cujos integrantes diziam fazer contato com extraterrestres. Afastou-se do grupo depois de ser chamado a depor sobre a suspeita de que líderes da seita estariam envolvidos no assassinato de crianças para rituais de magia negra. Wassef se gaba de ter sido uma das primeiras pessoas a acreditar na vitória de Bolsonaro, que ele atribui a um "milagre". "Passei anos sendo alvo de chacota dos meus pares, mas sempre soube que ele seria presidente", diz.
O advogado logo se desentendeu com os colegas que vinham aconselhando Bolsonaro. Os escritórios do Rio e São Paulo sustentavam que a investigação deveria se limitar a Queiroz e não sair do Rio. Na opinião desses defensores, a transferência do caso do Ministério Público Estadual para o STF, ideia de Wassef, não só poria Flávio Bolsonaro no centro do escândalo como aumentaria as chances de contaminação do presidente. Wassef venceu a discussão. Em janeiro, chegou a conseguir uma liminar do ministro Luiz Fux para suspender a investigação no MPE do Rio com base no argumento do foro privilegiado do senador Flavio Bolsonaro. Na volta das atividades do tribunal, porém, o ministro Marco Aurélio Mello derrubou a decisão e devolveu o caso à Justiça fluminense.
Foi na segunda investida junto ao STF que Wassef conseguiu sua grande vitória — e ela veio pelas mãos do presidente do tribunal, Dias Toffoli. Toffoli é relator de um recurso que tramita na corte desde 2017 e que questiona o uso de informações fiscais sem autorização judicial. Aproveitando-se dessa ação, a defesa de Flávio pediu a suspensão, até o julgamento do mérito, de todas as investigações criminais que, sem autorização prévia da Justiça, usaram dados colhidos por órgãos de controle como o Coaf.
No dia 15 de julho, Toffoli atendeu ao pedido de Wassef e concedeu a liminar. A decisão do presidente do stf foi comemorada com emoção e euforia pelo clã Bolsonaro. O repórter Bruno Abbud, da revista Época, estava na antessala do escritório de Wassef em São Paulo naquela segunda-feira quando o ouviu exclamar ao telefone: "A decisão? Amor? O meu nome? Tá o Brasil inteiro me ligando e me chamando de Deus! Você não tem noção! É uma bomba atômica! Amor, está comigo, te mando agora. O Flávio, o presidente, tudo infartado, chorando?"
Pai e filho sabiam que a decisão de Toffoli significava a primeira pá de cal para enterrar o inquérito que assombrou os primeiros meses do governo Bolsonaro — e forçou os recuos e as alianças que terminariam por moldá-lo."
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