Texto baseado no relato de acontecimentos, mas contextualizado a partir do conhecimento do jornalista sobre o tema; pode incluir interpretações do jornalista sobre os fatos.
A depender da "maravilhosa procuradoria" de Aras, Bolsonaro não tem a temer
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Em maio de 2020, Jair Bolsonaro se convidou para fazer uma visita surpresa a Augusto Aras sob pretexto de prestigiar a posse de um subprocurador "desse maravilhoso colegiado da Procuradoria". Diante do auto-convite do presidente, Aras respondeu prontamente: "Estaremos aguardando Vossa Excelência com a alegria de sempre". Na ocasião, Bolsonaro tinha um único inquérito sob os cuidados de Aras, aquele que apura a suspeita de interferência presidencial na Polícia Federal e que já foi prorrogado três vezes.
Augusto Aras lutou com unhas e dentes para ser alçado ao cargo que hoje ocupa. Na briga de foice que envolve a escolha de um Procurador-Geral da República, adversários tentaram derrubá-lo sugerindo ligações com o ex-governador da Bahia e petista de quatro costados Jaques Wagner. Para neutralizar os ataques, Aras chegou a ir oito vezes ao Palácio da Alvorada, levado pelas mãos do ex-deputado Alberto Fraga, então amigo íntimo de Bolsonaro. Em algumas dessas vezes, Aras não se vexou em adentrar o Palácio abaixado no banco de trás do carro para despistar jornalistas. Ao fim e ao cabo, conseguiu seu intento: foi nomeado chefe da PGR por obra e graça do presidente da República — seu nome nunca constou da tradicional lista tríplice elaborada pelos procuradores.
Esse método não usual de escolha tem o condão de criar laços estreitos entre o PGR e o presidente —e também o de reforçá-los ao longo do tempo. Isso porque, quando a lista tríplice tinha alguma serventia, a recondução de um procurador ao cargo dependia em grande medida da aprovação de seus pares. Agora, depende apenas da simpatia do chefe do Executivo. Sabendo disso, um PGR em busca de mais dois anos de mandato poderá se sentir menos motivado a buscar o respeito da categoria do que a agradar aquele que definirá o seu destino.
Augusto Aras não para de agradar o presidente Bolsonaro.
Fez isso ao tentar jogar para as calendas a investigação sobre a participação do presidente na quase compra da vacina Covaxin (no que foi detido pela ministra do STF Rosa Weber); quando pediu o arquivamento da investigação sobre supostos atos antidemocráticos envolvendo deputados bolsonaristas; quando alinhou-se ao Palácio do Planalto na defesa da abertura de igrejas durante a pandemia; quando arquivou todos os pedidos de investigação contra Bolsonaro por acusações de crimes cometidos durante o surto de coronavírus; quando se posicionou contra a divulgação da íntegra de um vídeo de reunião ministerial na qual Bolsonaro disse querer interferir na Polícia Federal do Rio; e quando se posicionou contra a ameaça de apreensão do celular do presidente, também no âmbito da investigação sobre a suposta interferência na Polícia Federal. Em quase todas essas ações, Aras sofreu críticas públicas e de seus pares pelo alinhamento com o ex-capitão. Não se dobrou.
Hoje, o futuro sorri para ele. O leal PGR não apenas acaba de ter sua recondução ao cargo anunciada pelo presidente como ainda pode recuperar as chances de realizar seu sonho dourado de ser indicado a uma vaga no STF — tudo depende de como a nova crise entre Bolsonaro e a Corte irá respingar no nome de André Mendonça, o ainda candidato preferido do ex-capitão à cadeira.
O ministro Alexandre Moraes aceitou incluir Bolsonaro no famigerado inquérito das fake news, e o único indivíduo com poder para fazer com que essa ação tenha alguma consequência é Aras, que no final de tudo decidirá se oferece ou não denúncia criminal contra o ex-capitão.
O chão da República estremece? Os poderes estão à beira da colisão? O tranquilo Aras cofia a barba. Bolsonaro, se tivesse uma, poderia fazer o mesmo. No que depender do amigo, ele nada tem a temer. O chefe da "maravilhosa Procuradoria" esperará o presidente com a alegria de sempre.
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