Valmir Salaro

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Opinião

Sim, eu sou o repórter do caso Escola Base

Existe uma frase que me acompanha há trinta anos que diz assim: o bem que a gente faz é enterrado com nossos ossos, e o mal sobrevive a eles.

Esse sentimento me acompanha desde que descobri meu erro cobrindo o caso Escola Base, considerado um dos maiores erros da história do jornalismo brasileiro.

Tanto tempo depois, essa história é um alerta sobre as consequências de uma cobertura jornalística precipitada e da verificação dos fatos com fontes oficiais não confiáveis.

Foi em março de 1994 que tudo começou. Saí da redação da TV Globo para cobrir uma denúncia chocante: mães de crianças da Escola Base alegavam que seus filhos tinham sido abusados sexualmente. A acusação era grave, e a repercussão chocou o país.

Os donos da escola (dois casais) e os pais de um aluno foram presos, humilhados, torturados e acusados de um crime que nunca cometeram. Eles eram inocentes.

Confiei nas denúncias das mães, no laudo do Instituto Médico Legal de São Paulo que indicava marcas de violência sexual em uma das crianças, na investigação policial comandada pelo delegado do caso.

Foi se criando a armadilha perfeita para um erro monumental - de todos nós: jornalistas, policiais, legistas, promotores e juízes.

Desde que reconheci meu erro, quando ficou provado que não havia crime, falo publicamente sobre minha culpa em entrevistas e em conversas com alunos de faculdades de jornalismo e de direito. Eu nunca me escondi atrás do meu erro.

Sempre fiz o que estava ao meu alcance para ajudar a reparar os danos aos acusados injustamente.

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Fui testemunha contra o delegado e os policiais que investigaram o caso da Escola Base nos processos contra o governo do estado de São Paulo.

As vítimas ganharam os processos e as indenizações devidas, menos Paula Millin, uma das donas da escola, que ainda aguarda na fila dos precatórios.

O documentário "Escola Base - Um Repórter Enfrenta o Passado", produzido pela Globoplay, detalha meu erro, o pedido de desculpas que fiz às vítimas, as falhas da polícia, da Justiça e da imprensa.

Alguns colegas jornalistas criticaram o documentário como uma "autoexpiação chorosa". Aceito e respeito essas opiniões, mas o objetivo foi analisar os erros na apuração do caso pela polícia e pela imprensa e não expiar minha culpa.

O resultado mais gratificante dessa experiência foi me tornar amigo de Ricardo Shimada, filho de um dos casais acusados, e de Paula Millin. Esse desfecho inesperado surgiu naturalmente nos bastidores e dura até hoje.

Esse caso trágico deixou marcas profundas nos injustiçados e na sociedade. Infelizmente, não tenho o poder de mudar o passado, mas posso continuar fazendo tudo o que estiver ao meu alcance para garantir que colegas de profissão e futuras gerações de jornalistas aprendam com meus erros. Então eu sou, sim, o repórter do caso Escola Base.

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Agora no UOL, vou continuar a exercer minha responsabilidade social como jornalista, trazendo à tona histórias sobre a criminalidade, violência e segurança pública.

Minha missão continua sendo reportar as notícias, investigar os fatos, contar histórias e bastidores da cobertura policial, ouvir especialistas na área, cobrar ações das autoridades e dar voz às vítimas de crimes e de injustiças.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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