'Fantasias imaturas': o que diz laudo que contribuiu para soltar Gil Rugai
O ex-seminarista Gil Rugai, 39, solto pela Justiça de São Paulo na quarta-feira (14), passou por um teste psicológico e outras avaliações antes de ser liberado da unidade prisional. O laudo psicológico, obtido pelo UOL, foi usado pela juíza do caso para basear a decisão a favor da mudança do condenado a 33 anos e nove meses de prisão pelo assassinato do pai e da madrasta, em 2004, para o regime aberto.
Apesar da reportagem destacar alguns pontos do documento, cabe ressaltar que no fim do laudo consta a informação de que é importante que ele "seja tomado em seu contexto amplo e integral e, não em partes isoladas que podem comprometer o entendimento da complexidade da situação apresentada."
O teste psicológico usou método de Rorschach e foi realizado em maio de 2024. A ferramenta é utilizada por profissionais da psicologia para interpretar informações sobre a personalidade de uma pessoa. Durante o teste, o analisado olha para manchas de tinta e descreve o que vê nelas.
Rugai fez o teste em sessão única e com duração de aproximadamente duas horas. A psicóloga que fez o laudo apontou que o método Rorschach usado seguiu normas e critérios, estando de acordo também com resoluções do Conselho Federal de Psicologia.
O laudo não apontou impedimentos para a progressão ao regime aberto. Embora a profissional que aplicou e analisou o teste tenha feito vários apontamentos sobre o perfil psicológico de Rugai, no fim do documento, ela concluiu que "não foram encontrados sinais de alterações de natureza orgânica, nem de distúrbios de ordem profunda".
Imaturidade emocional e preocupação com relacionamentos
A psicóloga analisou que o condenado possui noção da realidade e tem capacidade de discernimento. "[Rugai tem] bons recursos intelectuais e de imaginação, que, no entanto, não encontram vias adequadas de expressão, sugerindo a presença de conflitos de ordem afetivo-emocional, acompanhados de impulsividade latente que se manifesta, especialmente, em momentos de maior ansiedade e estresse, provocando oscilações de humor." Esse trecho do laudo foi adicionado na decisão da magistrada Sueli Zeraik de Oliveira Armani, que permitiu a mudança de regime de Rugai.
O documento apontou que o condenado tem tendência a explicar suas emoções a partir de experiências anteriores. Segundo o laudo, isso sugere imaturidade emocional, que pode indicar a necessidade de aprovação e atenção acompanhada de intensa ansiedade.
Apesar de ter construções que permitem exercer sua autonomia, elas são frequentemente influenciadas por "fantasias imaturas, nas quais prevalece o pensamento mágico, acreditando que as coisas se resolverão sozinhas". Conforme o laudo, o analisado se inclina a priorizar seu ponto de vista e tem resistência a mudanças. "Assim, recorre a um autoritarismo infantil com uma postura crítica e defensiva, usando a racionalização das experiências como uma maneira de manter o controle das situações", discorreu a profissional.
Rugai tem dificuldade de começar e continuar seus objetivos por desinteresse no contato com o meio externo e preocupações com questões pessoais. Em situações afetivas, há a presença de "fantasias imaturas que promovem a perda de controle sobre seus impulsos motores e, consequentemente, desorganiza sua atividade prática".
Com senso de identidade fragilizado, Rugai demonstra preocupação com relacionamentos interpessoais, com o comportamento e atitude das pessoas. Apesar de enxergar os outros e a si de "maneira integrada", ele visualiza o outro de modo impessoal e, por vezes, de forma idealizada. "Assim, tende a assumir uma postura mais crítica perante os demais, prejudicando a qualidade dos seus relacionamentos."
Em um exame profundo dos processos atuais que influenciam indiretamente a consciência, nota-se a interferência de fantasias imaturas. Essas fantasias prejudicam o comportamento manifesto e dificultam o desenvolvimento de uma adaptação autônoma e amadurecida às situações da vida.
Laudo psicológico de Gil Rugai
Reações de Rugai ocorrem, em sua maioria, por meio das expressões afetivas. Apesar disso, essa expressão encontra-se comprometida. Em níveis latentes, a psicóloga observou que ele apresenta "o aumento das atividades cognitivas ligadas à imaginação e impulsos primários, que resultam em oscilação dos estados afetivo-emocionais". O analisado consegue fazer a exteriorização de sentimentos altruístas, mas ele "sofre a influência de afetos imaturos, agravados por eventual liberação abrupta de impulsos destrutivos".
Foco exagerado em detalhes
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Quero receberRugai tende a ser extremamente detalhista ao interpretar fatos, diz psicóloga. O condenado, ainda segundo o documento, tem visão predominantemente analítica e geralmente produz informações e conhecimento a partir da análise de dados, se apegando a aspectos isolados que, na maioria das vezes, são "irrelevantes" diante do foco principal de uma situação.
O ex-seminarista também foca de modo exagerado em detalhes, de modo que dá grande importância a obstáculos que encontra em ambientes, "procurando introduzir de modo arbitrário os aspectos negativos dos fatos, o que sugere uma atitude de oposição e teimosia, o que interfere significativamente em sua capacidade de abstração". Dificuldades de organização e planejamento são destacadas em laudo.
O analisado se comunicou por meio de mensagens claras e articuladas, com discurso lógico e coerente. Em uma parte do laudo, a psicóloga aponta que um dos resultados indica para a dispersão de interesses do analisado, o que o impede de se manter em atividades e também interfere na sua capacidade de iniciativa.
A psicóloga recomendou que Rugai recebesse suporte, caso fosse solto. Isso, segundo a profissional, garantiria que ele aplicasse suas habilidades em contextos diversos para ter o seu envolvimento social de forma saudável e produtiva.
Parecer social e exames também foram considerados
Por unanimidade, os avaliadores participantes do exame criminológico consideraram Rugai apto ao regime aberto. Parecer social apontou que o então preso demonstra "desejo e disposição para sua volta ao convívio social mais amplo, consciente de limites e possibilidades, contando com a rede vincular nesse processo."
Rugai falou aos avaliadores sobre planos, como continuar a faculdade, e trabalhar na empresa do irmão. O exame psiquiátrico feito no condenado não teve contraindicação para a mudança de regime e indicou ele é portador de transtorno de personalidade obsessivo-compulsivo (anancástico), quando o indivíduo tem características perfeccionistas, controladoras, são pouco flexíveis e com predileção pela ordem.
Soltura após decisão judicial
Gil Rugai deixou a prisão, com uso de tornozeleira eletrônica, às 16h17 de quarta-feira (14). A informação foi confirmada ao UOL pela SAP (Secretaria da Administração Penitenciária do Estado de São Paulo).
A soltura ocorreu após decisão judicial favorável ao ex-seminarista. O pedido de progressão ao regime aberto foi feito pela defesa de Rugai e o Ministério Público se manifestou contrário à soltura. O então preso passou por exame criminológico e teste de Rorschach. Após as avaliações, que tiveram o resultado positivo para o condenado, o MP reafirmou ser contra a soltura.
Em decisão obtida pelo UOL, juíza diz entender que Rugai comprovou requisitos legais para a soltura: "Comportamento ótimo". A magistrada Sueli Zeraik de Oliveira Armani apontou que a postura do preso era considerada "ótima" pelo Serviço de Segurança e Disciplina do estabelecimento prisional. Armani discorreu que o preso estava detido desde 6 de abril de 2004 e não registrou nenhuma infração disciplinar ao longo de todo o período de cumprimento da pena, ainda realizando atividades laborterápicas na prisão em 2009 e de 2016 e 2022.
Justiça também destacou que Rugai está em regime semiaberto desde 2021. Armani continuou afirmando na decisão, proferida na terça-feira (13), que o preso usufruia de saídas temporárias, sem envolvimento em intercorrências negativas, acrescentando que ele faz faculdade de Arquitetura e Urbanismo em Taubaté, também no interior paulista, desde 2023, e tem bom aproveitamento nas aulas.
Rugai deverá cumprir medidas impostas pelo Judiciário. Entre elas, comparecer trimestralmente a uma vara de execuções criminais para informar suas atividades; e obter alguma ocupação lícita em até 90 dias e comprová-la junto à vara. Além de permanecer em sua casa nos finais de semana, feriados e repouso noturno entre às 20h e 06h, com exceção de autorização judicial; não mudar de comarca sem prévia autorização; não mudar de residência sem comunicar à justiça; e utilizar tornozeleira eletrônica.
Procurada pelo UOL, a defesa de Gil Rugai afirmou que não se manifestará.
Relembre o crime
Gil Rugai foi acusado pela Polícia Civil e pelo Ministério Público de São Paulo de matar o pai, Luiz Rugai, e a madrasta, Alessandra Troitini, após o genitor descobrir que o filho desviava dinheiro da empresa. Naquela ocasião, ele tinha 20 anos.
O crime aconteceu em 28 de março de 2004. Na época, Luiz tinha 40 anos e foi morto com seis tiros. Alessandra, então com 33 anos, foi alvejada com cinco disparos. O ex-seminarista sempre negou as acusações.
Em 2013, o ex-seminarista foi condenado por um júri a 33 anos e nove meses de prisão. Em 2021, ele progrediu para o semiaberto, mas passou por reviravoltas judiciais em relação ao benefício nos anos seguintes.
Ele começou a fazer faculdade de arquitetura em maio de 2023, após autorização do STJ. O ex-seminarista deixava o presídio entre os horários das 17h às 23h30 para ir estudar.
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