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Valmir Salaro

Valmir Salaro

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Reportagem

Vídeo mostra ação de PM de folga em assalto que terminou com mulher morta

Câmeras de segurança de um posto de combustíveis flagraram a ação de um policial militar de folga durante um assalto que terminou com a morte de Francisca Marcela da Silva Ribeiro, 33, no bairro do Ipiranga, na zona sul de SP. A família da vítima diz que a mulher, que se casaria neste mês, foi morta com um tiro nas costas disparado pelo PM.

Imagens obtidas pela coluna mostram Marcela e o companheiro Wilker Michael, 32, no posto de gasolina calibrando o pneu da motocicleta deles, uma Triumph Tiger 800 XRX, modelo 2017, avaliada em aproximadamente R$ 46 mil.

Em seguida, surgem dois homens em uma moto. O garupa desce do veículo e aborda o casal, e o piloto sai com a moto. Ao menos outras duas motocicletas, com apenas o piloto, também chegam ao estabelecimento. Os registros não têm áudio.

O ladrão sobe na motocicleta do casal, quando aparece um comparsa em outra moto. Eles parecem conversar brevemente e depois deixam o local. O criminoso que roubou a moto das vítimas sai do posto pelo lado esquerdo enquanto os outros dois motociclistas vão para o lado direito.

Na sequência, a câmera registra o ladrão da moto correndo. O policial militar, de blusa branca, surge com a arma em punho e aponta para a direção onde Marcela e Wilker estavam. Depois que teria atingido a mulher, o agente voltar a correr mais um pouco na direção do criminoso que fugiu a pé. Marcela cai no chão, e o companheiro aparece tentando socorrê-la.

Uma segunda câmera de segurança, apontada para o lado esquerdo do posto, mostra o policial perto da bomba de combustíveis, com a arma em punho. Quando o ladrão que roubou a moto das vítimas sai do local, ele dá de cara com o policial armado. O criminoso derruba a moto no chão e sai correndo.

Em determinado momento, apenas Wilker fica ao lado da companheira. Alguns instantes depois, o agente retorna ao posto falando ao telefone, com a arma na mão, e se aproxima da vítima e do noivo dela. Ele sai rapidamente. Ainda no telefone, o agente voltou a se aproximar do casal ao menos outras duas vezes, conforme o registro das câmeras.

Dois suspeitos baleados foram hospitalizados sob escolta policial, mas um deles já foi liberado da unidade hospitalar e foi preso em flagrante. O outro segue internado — o estado de saúde dele não foi divulgado. Os investigadores apontam que outras quatro pessoas, ainda não identificadas, teriam envolvimento no crime.

Relatório diz que policial agiu em legítima defesa

A informação consta no relatório final da Polícia Civil, obtido pela coluna, assinado pelo delegado Schayan da Vitoria Vago na terça-feira (8).

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O documento ainda indica que, a partir dos depoimentos e declarações colhidas, assim como análise das imagens do sistema de videomonitoramento, que "há claros indícios de que o disparo que determinou a morte da vítima Francisca Marcela teve origem da
arma de fogo do policial militar".

Todavia, Vago destaca no relatório que o agente não teve a intenção de matar Marcela e agiu em "legítima defesa própria e de terceiros, sendo que, no decorrer de sua ação, por fatalidade, a vítima foi atingida, vindo a óbito". O agente foi liberado pela polícia após a morte da vítima.

É inegável e indiscutível que o ocorrido ecoará por toda a vida dos familiares da vítima, e com todo respeito e pesar esta autoridade policial descreve os presentes fatos. Entretanto, há de se considerar que o policial militar agiu em defesa própria e, também, para salvaguardar a vida e a integridade física de outras pessoas, mesmo não atuando, naquele momento, a serviço da instituição.

Puni-lo por sua conduta seria ir de encontro com o próprio ordenamento jurídico brasileiro que, de antemão, prevê e respalda a possibilidade de ocorrerem fatalidades como a do presente caso.
Relatório final da Polícia Civil

Casamento da vítima ocorreria no dia 26 de outubro

Wilker Michael contou ao UOL que Marcela provou o vestido um dia antes de morrer e ficou "deslumbrante". A roupa precisou passar por reparos na barra para ser usada na cerimônia.

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"Esse seria o vestido do seu grande dia que agora será o vestido do seu enterro. Nós iremos lutar para que a justiça seja feita. Isso não ficará impune", informou postagem compartilhada pelo noivo nas redes sociais.

Francisca Marcela da Silva Ribeiro, 33, e o noivo Wilker Michael, de 32
Francisca Marcela da Silva Ribeiro, 33, e o noivo Wilker Michael, de 32 Imagem: Reprodução/Instagram

"Nunca imaginei que ficaria sem ela." Ao UOL, Wilker contou que ainda não consegue lidar com a morte da noiva. "Nunca, nem nos meus piores pesadelos, imaginei passar por isso", disse.

Após o acontecido, quando a funerária me perguntou sobre a roupa que eu queria vesti-la, não pensei duas vezes. Esse vestido foi a roupa mais linda que já vi ela vestir.
Wilker Michael, em entrevista ao UOL

Noivo questionou ao policial por que ele atirou

O companheiro da vítima afirma que o tiro que atingiu Marcela foi disparado por um policial militar que estava no posto de gasolina e observou a ação criminosa. O homem alega que o agente apontou a arma em direção ao casal após a fuga dos criminosos.

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Segundo o noivo, ele sentiu a companheira tocando no ombro ele e pedindo para entregar a moto porque era um assalto. "Aí eu olho para trás, já levanto a mão, vejo o cara com arma na minha cara e ele começa a gritar 'entrega tudo'", relatou. Wilker ainda contou que viu o policial indo na direção dos criminosos e se recordou de pedir para que o agente deixasse os ladrões levarem a motocicleta.

Wilker disse à TV Globo que questionou o PM sobre a conduta dele no caso. "Ele olhou para mim sem nenhuma expressão de dor, de arrependimento. Expressão fria, só desviou o olhar. Em nenhum momento ele veio olhar para o rosto dela, pedir desculpa, perdão", disse em entrevista à emissora. Em depoimento, o noivo reforçou acreditar que o PM agiu com despreparo porque "saiu atirando para todos os lados".

No boletim de ocorrência consta que o PM disse que estava abastecendo o carro quando ouviu alguém anunciar que era um assalto. Ele afirmou que foi cercado por dez bandidos e que só sacou a arma depois que viu que os criminosos estavam armados. O agente ainda relatou que trocou tiros, mas não sabia informar quantos disparos realizou, acrescentando que achou que o assalto era ao posto e não a algum motociclista. Ainda contou que estava rodeado de motociclistas, com roupas escuras e capacete, "não sendo possível ter identificado alguma vítima de pronto".

A SSP-SP (Secretaria da Segurança Pública) de São Paulo não comentou a acusação do noivo. Em nota, a pasta informou que foi aberto um inquérito policial para apurar o caso, bem como um IPM (Inquérito Policial Militar).

Conforme a SSP, Pedro Henrique de Oliveira da Silva, 20, e Gustavo Pereira Bortolotti, 22, foram presos em flagrante após roubarem a motocicleta. O UOL não encontrou as defesas deles até o momento. A pasta também afirmou que a polícia analisa as imagens das câmeras de segurança e realiza diligências para esclarecer o fato. O caso é investigado pelo 26º DP (Sacomã).

Wilker e Marcela tinham um relacionamento há quase oito anos. "Dói. Uma dor que não quer ir embora, uma dor que se recusa a aceitar que não vou mais te abraçar. Hoje eu me apego em um pedaço da manga da sua camiseta, a lembrança do seu jeito de me fazer feliz, pois foram as coisas que me restaram para me apegar. Você sempre me disse que eu era grande e forte, mas me sinto minúsculo, fraco e frágil", escreveu o noivo nas redes sociais. Além do noivo, a vítima deixa dois filhos.

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Entenda o caso

Ocorrência aconteceu em um posto de gasolina na zona sul de São Paulo
Ocorrência aconteceu em um posto de gasolina na zona sul de São Paulo Imagem: Google Street View/Reprodução

O caso aconteceu em um posto da rua Malvina Ferrara Samarone por volta das 6h de domingo (6), segundo ocorrência da Polícia Militar. Um policial militar de folga que estava no local presenciou o crime e reagiu. Houve troca de tiros, informaram testemunhas à Polícia Civil.

Francisca Marcela da Silva Ribeiro, que era passageira da moto, foi baleada nas costas. Ela chegou a ser socorrida para o Hospital Heliópolis, mas morreu.

À polícia, o noivo de Francisca afirmou que não reagiu ao assalto. Ele disse que o criminoso estava deixando o local na motocicleta roubada quando o PM começou a atirar. À polícia, ele disse acreditar que a esposa foi atingida por um tiro disparado pela arma do PM e acreditou que houve despreparo do policial para lidar com a situação.

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Dois suspeitos conseguiram fugir, mas foram presos após dar entrada em hospital. Os homens foram identificados como Pedro Henrique de Oliveira da Silva e Gustavo Pereira Bortolotti. À Polícia Civil, Gustavo afirmou que não participou do assalto e disse que foi baleado após se envolver em uma briga em um baile.

Já o PM que atirou afirmou à Polícia Civil que fez os disparos porque temeu pela própria vida. Ele disse que acreditou que os suspeitos tinham anunciado o assalto ao posto, e não a outros motociclistas, e afirmou que sacou a arma após ver um dos suspeitos com uma arma de fogo.

A ocorrência da PM foi registrada como "roubo tentado de veículo". A SSP-SP informou que "a autoridade policial do 26º DP (Sacomã) requisitou exames periciais e registrou o caso como roubo de veículo, apreensão e entrega de objeto, morte suspeita e legítima defesa. A Polícia Militar acompanha as investigações."

A rede responsável pelo posto disse que se solidariza com a família e amigos da vítima. "As autoridades e o Samu foram imediatamente acionados, mas, infelizmente, a vítima não resistiu", declarou a empresa.

A defesa do PM não foi encontrada para pedido de posicionamento. O espaço segue aberto para manifestação.

Reportagem

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