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Wálter Maierovitch

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Gilmar Mendes é o João Doria de toga

13.jun.2023 - Cerimônia de posse dos ministros Gilmar Mendes e Antonio Carlos Ferreira - 13.jun.2023 - Antonio Augusto/Secom/TSE
13.jun.2023 - Cerimônia de posse dos ministros Gilmar Mendes e Antonio Carlos Ferreira Imagem: 13.jun.2023 - Antonio Augusto/Secom/TSE

Colunista do UOL

26/06/2023 04h00

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Começa nesta segunda-feira (26) e termina na quarta (28), o 11º Fórum Jurídico de Lisboa, realização do IDP (Instituto Brasileiro de Direito Público).

Trata-se de instituto jurídico fundado em 1998 pelo ministro Gilmar Mendes e pelo jurista Inocêncio Mártires Coelho, ex-procurador-geral da República nomeado na ditadura militar pelo então presidente João Figueiredo.

Uma rumorosa ação judicial proposta por Inocêncio contra Gilmar Mendes quase colocou fim ao IDP.

Mas um acordo processual judicial manteve vivo o IDP e Gilmar ficou — pelo que se sabe de um cabeludo processo envolto em segredo de Justiça em face de graves acusações —, com as cotas de participação do referido Inocêncio.

O IDP continuou a bombar. Tem luxuosa sede própria e parcerias. Uma delas com a Fundação Getúlio Vargas e referente ao Encontro de Lisboa gerou suspeitas da Polícia Federal.

Com liminar de Gilmar Mendes — que não viu conflito de interesses —, a suspeita foi ultrapassada. O caso decorria de um relato do desacreditado Sérgio Cabral, em delação premiada.

O 11º Fórum de Lisboa terá a participação de convidados de peso: de Flávio Dino a Geraldo Alckmin. Do presidente da Câmara, Arthur Lira, ao presidente do Tribunal de Contas da União, Bruno Dantas — candidato ao Supremo Tribunal Federal (STF), com apoio do senador Renan Calheiros, à vaga a ser aberta pela aposentadoria compulsória da ministra Rosa Weber.

O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, habitué do Fórum, estará presente. Também ministros do Superior Tribunal de Justiça, autodenominado Tribunal da cidadania.

No concorrido e já famoso evento lisboeta teremos diversos painéis a girar em torno do tema Estado Democrático de Direito.

Depois da tentativa frustrada do golpe de Estado ocorrida no 8 de janeiro passado em Brasília e da polarização política brasileira, com ação de investigação judicial eleitoral que certamente tornará Jair Bolsonaro inelegível por oito anos, a temática do encontro de Lisboa guarda pertinência.

No campo empresarial, o ex-governador paulista João Doria, há anos e pela sua potente Lide (Grupo de Líderes Empresariais), realiza encontros internacionais com convidados de várias áreas, incluídos ministros do STF, que aceitam e fazem cara de paisagem quanto aos patrocinadores do evento da Lide possuírem ações em curso no STF.

Depois de a ministra Cármen Lúcia, em julgamento, entender existir no processo que estava em pauta um evidente caso de censura, mas que daquela vez deixaria passar, a ida de ministros aos eventos da Lide não é questionada mais por nenhum mané. A ministra Cármem Lúcia sumulou o vale-tudo.

Doria, no seu campo de atuação, realiza eventos fora do Brasil para mostrá-lo positivamente às empresas estrangeiras e aos empresários internacionais.

Em apertada síntese, evento da Lide mira mostrar e atrair investimentos ao nosso país. E a participação de ministros do STF acaba por atestar a existência de segurança jurídica e o pleno respeito ao universal princípio jurídico da pacta sunt servanda (os contratos devem ser cumpridos).

O IDP dá preferência à terra de Camões e à lusofonia. O resto da Europa não dá a mínima para esse evento. Eco prevalente dele, só no Brasil.

Atenção: o evento de Doria tem nítido conteúdo político, mas a roupagem é empresarial. O de Gilmar Mendes é jurídico e feito por um ministro com forte atuação política, num tribunal que deveria ser apenas técnico-constitucional.

Daí não haver exagero na afirmação de Gilmar Mendes ser o João Doria de toga.

Sobre o IDP, o problema em aberto diz respeito ao contorcionismo jurídico do ministro Gilmar Mendes diante de proibição prevista na chamada Lei Orgânica da Magistratura (Loman).

Até um antigo juiz de investidura temporária (cargo que não existe mais) sabe vedar a Loman ao magistrado o exercício de outra atuação profissional.

Existe apenas uma exceção à regra de proibição: proferir aulas e, assim mesmo, deve haver compatibilidade de horário e o juiz não pode ter processo em atrasado.

Podemos acrescentar: e nem processo tirado de pauta em julgamento e mantido na gaveta. A chamada "gaveta amiga" virou reprovável prática no STF.

Abro parêntese sobre a expressão "gaveta amiga". Ao lado de Fux, o ministro Gilmar Mendes utiliza, em casos de interesse público, repercussão geral, o expediente da "gaveta amiga".

Na semana passada, a dupla supracitada, Fux e Gilmar, protagonizaram um vergonhoso bate-boca em sessão pública do STF.

No bate-boca, temperado por data vênia e mantido o tratamento de excelência, o ministro Gilmar reclamou da gaveta de Fux, ops, ops, de um pedido de vista de mais de três anos sem devolução.

Como Gilmar é conhecido pelos processos engavetados (não vou usar o termo gaveteiro pela conotação negativa no mundo esportivo), ficou estranho.

Ao observador irônico, houve uma guerra de gavetas.

Mais ainda. Desse dissenso sobre "gaveta amiga", de algum lugar, o falecido Geraldo Brindeiro, apelidado de "engavetador-geral", deve ter soltado um "por que só eu levo a fama?".

Como Gilmar e Fux usam togas supremas, de tecido caro e cortadas em sartoria chique, não dá para usar a popular expressão de "o roto falar do esfarrapado".

Fechado parêntese e voltado ao ponto.

Pelo que se sabe, Gilmar não é mais dono do IDP. Dá aulas e coordena, com a sua inconteste bagagem jurídica, os cursos de excelência e os encontros de Lisboa.

Só que até as torcidas do Flamengo e Corinthians consideram o ministro Gilmar o dono, o mandachuva. E aí caberia a lição de não caber à mulher de Cesar ser só honesta e precisar parecer possuidora de tal virtude à luz do comum mortal.