Wálter Maierovitch

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Opinião

STF repudia a mulher de Cesar e se lixa para ética e desejo dos cidadãos

Tristeza. Pela segunda vez na história universal, Pompea Silla foi repudiada.

A primeira vez ocorreu em vida — para usar um neologismo da moda, houve também "lacração". Pós-repúdio, ela não mais recebeu menções em registros imperiais em citações pelos historiadores da época.

Em dezembro do ano 61 a.C., Pompea Silla — e vou manter os nomes romanos — recebeu o repúdio do marido Gaio Giulio Cesare, pai da pátria e ditador responsável por passar Roma de república a império. Ele foi o primeiro dos 12 Césares da história de Roma, ou seja, seu nome, como o do imperador Augusto, virou título.

No sábado passado (21), Pompea Silla restou novamente repudiada. Desta vez, pelo STF (Supremo Tribunal Federal), em plenário virtual e em face de ação de inconstitucionalidade proposta, em 2018, pela corporativa AMB (Associação de Magistrados Brasileiros).

Os ministros Gilmar Mendes, Luiz Fux, Cristiano Zanin, Dias Toffoli, Nunes Marques, Alexandre de Moraes e André Mendonça votaram pela inconstitucionalidade de artigo da lei processual — artigo impedidor de magistradas (os) de participarem de processos quando as suas esposas (os) figurassem como advogadas das partes.

De nada adiantou as manifestações contrárias apresentadas pelo Ministério Público, pela AGU (Advocacia-Geral da União) e Senado da República. O conflito de interesses estava patente, com a clareza de sol do meio-dia nas praias do Nordeste brasileiro.

A ação de inconstitucionalidade do Código de Processo Civil, onde está estampada a proibição — o impedimento dos magistrados (as) —, foi proposta pela AMB, com o argumento de a legislação, no artigo 144 do CPC, pecar pela falta de razoabilidade e estabelecer desproporcionalidade de tratamentos.

Os vencidos ministros Edson Fachin, Cármen Lúcia, Rosa Weber e Luís Roberto Barroso — este com declaração de voto a estabelecer diferenças entre naturezas de ações — não conseguiram convencer os seus pares a votar diferentemente.

2.ago.23 - Sessão plenária do STF
2.ago.23 - Sessão plenária do STF Imagem: Carlos Moura/SCO/STF
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Como é do conhecimento público, Gilmar Mendes, Dias Toffoli, Alexandre de Moraes e o recém-chegado Cristiano Zanin possuem esposas advogadas, associadas a escritórios com muitas causas no STF. Dias Toffoli até já ficou sob suspeita em episódio arquivado, mas ainda nebuloso, a envolver a esposa advogada.

Para Zanin, a proibição para esposas advogarem, inclusa a sua consorte, afronta ao direito ao trabalho e à subsistência. Ora, não se trata de proibição legal a levar à hipossuficiência e ao risco de privações famélicas. A proibição, de interesse público, restringe a atuação, não impede perante outros foros, tribunais e magistrados (as). Exemplo: se Zanin estiver impedido, os demais pares processam e julgam.

Votou com a maioria o ministro Nunes Marques, cuja esposa tem longa trajetória de comissionamentos no Senado.

Atenção, nenhum dos ministros maridos de advogadas (os) arguiu a própria suspeição para julgar a ação de inconstitucionalidade proposta pela AMB. Todos os supracitados ministros consideraram-se imparciais para julgar. No particular, fizeram cara de paisagem, como se não fosse com eles.

Para quem não sabe, no mundo civilizado a proibição é pressuposto processual. Refere-se à imparcialidade, à insuspeição do magistrado (a). Ao comum mortal, a falta de parcialidade é presumida no caso de um julgador ter a esposa (o) como advogada (o) de uma parte processual interessada.

Desde os bancos escolares é ensinado o histórico episódio da mulher de Gaio Giulio Cesare, numa referência à Pompea Silla, sua segunda e repudiada esposa.

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No Brasil todo, do Oiapoque ao Chuí, repete-se dever o comportamento de órgãos ou representantes do Estado ser impecável. Ensina-se, ainda, não bastar ser correta, mas também parecer honesta a atuação pública.

"Mulier Caesaris non fit suspecta etiam suspicione vacare debet". Essa teria sido a frase de Gaio Giulio Cesare, perante o Senado que, numa espécie de CPI (comissão parlamentar de inquérito), investigava violação ao culto da Boa Deusa (Bona Dea) em face das condutas de Publio Clodio Pulcro e de Pompea Silla, suspeita de ser a amante.

Disfarçado de mulher e tocadora de flauta, Publio Clodio Pulcro ingressou no palácio de Gaio Giulio Cesares na festa privativa às mulheres, em comemoração à supracitada divindade Bona Dea. Foi visto no quarto de Pompea Silla e logrou fugir.

No Senado romano, Gaio Giulio Cesare, depois de afirmar a fidelidade de Pompea Silla, foi questionado: se a esposa era fiel, por que o repúdio?

A resposta estava pronta. Teria dito: porque não basta ser honesta, mas deve estar acima de toda a suspeita.

Pompea Silla e Publio Clodio Pulcro restaram absolvidos: 31 x 25 votos.

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Com o repúdio à esposa, Pompea Silla foi expulsa do palácio imperial. E ouviu do ex-esposo a frase: Tuas res tibi habet (pegue as tuas coisas).

O STF ignorou, solenemente, a recomendação exigida por qualquer mortal, no sentido de não bastar um ministro ser imparcial, mas precisar aparentar isenção. E dar trato imparcial e igual a todos

A inconstitucionalidade declarada pelo STF é, sob o prisma ético-moral, um faz de conta — de não existir razão ou suspeita para o impedimento, a proibição de atuar.

O STF atentou ao espírito da Constituição no que toca à paridade, à igualdade de tratamentos, com presunção legítima de proibir, consoante rezava a lei processual, agora dada como inconstitucional.

Num pano rápido. A lei processual, no artigo 144, virou a Pompea Silla pois foi igualmente repudiada, por não parecer ser honesta, possuidora de bons propósitos.

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Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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