Wálter Maierovitch

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Opinião

Barroso terá um desafio no comando do STF e merece voto de confiança

O STF (Supremo Tribunal Federal) terá hoje um novo presidente, com mandato por dois anos. Não há possibilidade de reeleição.

Para as elevadas funções de presidente do órgão de cúpula do Poder Judiciário nacional, foi eleito, pelos seus 11 pares, o ministro José Roberto Barroso, antes vice-presidente.

O ministro Barroso, por força de previsão constitucional, assumirá, também hoje, a presidência do CNJ (Conselho Nacional de Justiça), um órgão dado como de controle externo, mas composto, na sua maioria, por magistrados.

Salta aos olhos, pela sua composição, não se tratar de controle externo, mas corporativo.

Outro dado estranho, o CNJ não tem controle fiscalizatório sobre o STF nem controle correcional dos seus onze ministros. A propósito, o STF já decidiu a respeito disso e invocou estar o CNJ, pela posição topográfica ocupada na Constituição, hierarquicamente abaixo. Em palavras mais simples, o andar debaixo não controla o do alto.

Diante disso e como sempre perguntam os constitucionalistas franceses diante de situações patéticas, "Qui garde le gardien?" (quem vigia o guardião?). Mas, esse é outro assunto. Por isso, volto à eleição e posse do ministro Barroso.

O ministro Barroso, indicado para o STF dada as condições de advogado respeitado, de reconhecido constitucionalista e emérito professor de direito, assume hoje o mandato de presidente da Corte, vago pela compulsória aposentadoria da ministra Rosa Weber, uma magistrada de carreira e originária da Justiça de Trabalho.

Poucos sabem, no entanto, que na investidura e início de funções como ministro do STF, o empossando, o novo ministro, recebe uma informação preciosa: o cálculo matemático de quando será vice-presidente e presidente do STF.

E tem mais, recebe as datas das anteriores posses na vice e na presidência do TSE. Lógico e como se diz no popular, "se Deus quiser". Muitos ministros não aceitam, talvez para ficar distantes da política e dos políticos, passar pelo TSE. Dois exemplos: Celso de Mello e Joaquim Barbosa

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A eleição no STF não é algo claramente democrático. Mas, está apoiada, na tradição. E obedece a rodízio, de modo a contemplar, em tese, a todos. E até a evitar a politicagem, muito percebida nos Tribunais de Justiça dos estados federados. No momento, existem candidatos à presidência de tribunais estaduais com promessa, caso vencedor na eleição, de aumento de vantagens financeiras aos magistrados.

Uma única vez cogitou-se de se pular. Foi mera cogitação e deu-se com o então ministro Joaquim Barbosa e por um único motivo: "pavio curto". Os poderes, como dizia Montesquieu e repetiu a nossa Constituição, são independentes e harmônicos. Para usar uma expressão italiana, um "rompi coglioni" tem sempre, ainda que honesto, imparcial e digno, dificuldades de relacionamentos.

A tradição foi mantida e o ministro Barbosa saiu-se muito bem, inclusive cortando as asas do ministro Gilmar Mendes, sempre aspirante a condestável da República.

A posse de hoje será festiva. Nada mais justo depois do golpismo de 8 de janeiro passado. Barroso, pelo que corre na chamada radio-corredor do STF, fará um discurso conciliador. Estará presente o presidente Lula, que engoliu decisões duras de Barroso, mas demonstra, com sua presença, bem saber que a palavra final, nos conflitos, é, num estado de Direito do STF.

O STF, advertiu ironicamente Rui Barbosa, tem legitimação constitucional para "errar por último".

A posse de Barroso aponta, como as viagens internacionais de Lula e a sua presença na ONU e em fóruns internacionais, para um Brasil oxigenado, limpo, democrático e com sistema republicano, com freios e contrapesos azeitado.

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Destoa apenas a Câmara, com Arthur Lira, um misto de perfil carlista (referência a Antonio Carlos Magalhães) e adepto, com intenção distorcida, da franciscana frase do "é dando que se recebe", haja vista o famigerado orçamento secreto que operou.

Não é momento para se ressaltar certas escorregadas do ministro Barroso, que tem dificuldades no campo da egolatria e, muitas vezes e volto aos franceses, se mostra "rempli de soi-même", ou melhor um soberbo, convencido. E nem a defesa técnica feita ao terrorista Cesare Battisti, quando Barroso quis distorcer a história democrática italiana, numa época presidida pelo socialista Sandro Pertini.

O importante é o momento que assume Barroso e a sua condição de magistrado independente, imparcial e profundo conhecedor da Constituição, que obriga a manutenção do Estado de Direito e a igualdade de todos perante a lei, aliás, o alicerce do sistema republicano.

A ministra Rosa Weber bem entendeu e deu conta com autoridade, discrição e brilho, do seu papel constitucional. E até tirou da gaveta processos com temas fundamentais e mostrou, com isso, o seu respeito aos direitos humanos. A sua lista para promoções de mulheres, a concorrer com as de merecimento e antiguidade, é redentora.

Encerro esta coluna do UOL com uma lição muito básica, que todos os presidentes de Cortes de Justiça brasileiras deveriam revisitar. Está no opúsculo que o saudoso jurista Piero Calamandrei, um dos pais da democrática e ainda vigente Constituição italiana de 1948, escreveu e intitulou "Elogio dei giudici scritto da um avocato" (elogio aos juízes escrito por um advogado).

Para Calamandrei e sobre o bom juiz: "Os lapidadores de diamantes e outras pedras preciosas, em algumas cidades da Holanda, vivem ocupados todo o dia a pensar em balanças de precisão e pedras raras. Bastaria uma só para os tirar da miséria. À noite, que ansiosamente esperam, quando entregam as pedras faiscantes pelo polimento feito, preparam serenamente, sobre aquela mesa onde pesaram os tesouros alheios, a sua ceia frugal. E repartem, sem inveja, com as mãos que lapidaram os diamantes dos ricos, o pão da sua honesta pobreza. O juiz também vive assim".

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Em síntese, Barroso, um progressista maduro, assume em momento de consolidação democrática e até de desarmar o STF dos instrumentos usados para a sua autotutela e para a defesa social contra o arbítrio, o golpismo bolsonarista. Barroso terá um desafio e todos os brasileiros devem lhe dar um voto de confiança.

Boa sorte, para nós todos.

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** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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