Wálter Maierovitch

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Opinião

Por que mesmo com vitória em Gaza Israel não conseguirá eliminar o Hamas

Gaza está cercada pelas tropas de Israel. É forte o sinal de derrota para as tropas do Hamas, mas não para os membros do governo dessa organização terrorista.

Os integrantes do vértice do Hamas vivem fora de Gaza, sem riscos. O seu líder máximo, Ismail Haniyer, mora no Catar, depois de ter sido expulso da Turquia.

A cumplicidade do Irã será suficiente para manter vivo o vértice do Hamas e sua meta de apagar o Estado de Israel do mapa do Oriente Médio.

Em razão desse quadro de cerco a Gaza, a apontar para o sucesso da operação israelense Escudo de Ferro sobre a Tempestade Al-Aqsa do Hamas , começam as costuras para o "day after".

Em outras e duras palavras, como será a gestão de Gaza, pós-Hamas? Como será o "Dia Seguinte" de Israel, com ou sem Benjamin Netanyahu?

Dia seguinte sem Netanyahu

Reuven Hazan, professor da Universidade Hebraica de Jerusalém e cientista político disputado como fonte dos jornalistas europeus, acertou ao dizer, no começo de um conflito que chega ao 27º dia, que o primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, não cairia durante a disputa armada com o Hamas.

No início dos confrontos, dois entre três residentes em Israel entendiam que Netanyahu era responsável pelas falhas na segurança, que já deixaram mais de 1.100 judeus mortos, 242 reféns e mais de 500 feridos.

Hazan frisou que o comportamento ocidental é diverso do hebraico, pois em Israel mantém-se o premiê e forças de oposição formam com ele um gabinete de apoio em tempos de conflito. Isso de fato aconteceu e nunca se cogitou a substituição, no curso dos confrontos, do primeiro-ministro israelense.

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Contudo, assim que acabarem os combates em Gaza, a situação mudará em Israel e, para a grande maioria, Netanyahu não durará mais um dia como premiê.

Volto a Hazan: "Exatamente um minuto depois do fim da guerra, ainda que seja longa, a opinião pública e a oposição apresentarão a conta para Netanyahu, por que ele foi o responsável por tudo o que aconteceu. Contudo, Netanyahu partirá novamente Israel porque, na sua visão, ele sabe que ainda tem um peso político".

Não precisa ter esfera de cristal para perceber que Netanyahu irá resistir. Para sobreviver politicamente, terá de continuar a contar com os religiosos ortodoxos (que vivem às custas do Estado), direitistas expansionistas (querem a Cisjordânia e Jerusalém orienta) e supremacistas judeus.

Como será a gestão em Gaza se Netanyahu for mantido

A resposta é simples: desastrosa. Basta verificar as suas condutas e ambiguidades éticas, a partir de 2009, quando chegou ao poder.

Netanyahu, convém lembrar, bancou a expansão de colonos judeus na Cisjordânia ocupada desde a Guerra dos Seis Dias de 1967. Mais ainda, deslocou as forças de segurança para a Cisjordânia e desguarneceu a faixa de Gaza, "dando mole", como se diz no popular, ao Hamas.

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Na verdade, Netanyahu nunca quis cumprir a Resolução 181-1947 da ONU (Organização das Nações Unidas), que criou dois estados, um palestino e outro judeu.

Netanyahu nunca quis um estado nacional palestino, sabotou sua criação e, durante certo tempo, financiou o Hamas para minar a Autoridade Nacional Palestina, legitimada a implantar o novo estado.

Como ficará Gaza sem o Hamas

O Hamas começou a governar a faixa de Gaza em 2007. Nunca houve mais eleições e as verbas, para melhoria da vida da população, foram desviadas para armar e criar condições, como construções de túneis, para operações das brigadas Ezzedine al Qassam, o braço terrorista do Hamas.

Com o cerco a Gaza e a aproximação do "day after", alguns cenários estão sendo considerados e costurados.

Parêntese: o secretário de Estado norte-americano, Antony Blinken, já está voando para a Jordânia a fim de encontrar o rei Abdallah II.

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Linha direta também está aberta com o presidente egípcio Abdel Fatak al Sisi, peça fundamental.

No mais, diplomatas começam a montar estratégias de gestão para a faixa de Gaza. Debaixo dos braços levam as convenções da ONU e, na cabeça, os princípios do Direito Internacional humanitário.

Fecha parêntese.

Possíveis futuros de Gaza

Não será fácil a costura. As possibilidades são as seguintes:

1 - Ocupação temporária por Israel, com verbas internacionais para a reconstrução de Gaza. Não será a solução adequada, sustentam os especialistas do Direito das Gentes (Direito Internacional Público). Ou seja, os palestinos seriam humilhados com uma gestão israelense

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2 - Gestão árabe, em uma governança mista formada por Egito e Jordânia. Seria ideal, mas não para o Hamas e o Irã. O rei jordaniano Abdallah II tem dificuldade na pacificação interna do seu pais.

A Jordânia conta com 11,5 milhões de habitantes e 60% da população é composta por cidadãos de origem palestina.

Em 1970, sob reinado do seu pai Hussein, a OLP (Organização de Libertação da Palestina), com Yasser Arafat à frente, incitou e ajudou na promoção de um "golpe de estado".

No embate e com as tropas beduínas jordanianas em ação, cerca de 2 mil homens da OLP foram mortos.

Também aconteceu o assassinato do avô paterno do rei Abdallah II, na denominada Mesquita da Rocha. Ele foi morto por palestinos em face de suspeita de agir em favor de Israel.

Certamente, o rei da Jordânia não irá querer que seu país seja co-administrador de Gaza. Para acalmar os palestinos no seu território, ele retirou os embaixadores de Tel Aviv e Jerusalém.

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A Jordânia reconheceu Israel, em um dos chamados Acordos Abraâmicos.

O Egito, pelo acordo de Abraão, recebeu de volta o Sinaí. O seu presidente Al Sisi, com muita dificuldade, conseguiu expulsar do território egípcio os membros da Irmandade Muçulmana, considerada terrorista.

A Irmandade Muçulmana, que resiste fora do Egito, apoia o Hamas. Enfim, Al Sisi não vai dar motivo para um fortalecimento dessa organização terrosita, assumindo co-gestão em Gaza.

3 - Uma gestão ONU, ainda que seja provisória, até a realização de eleições, com chances de indicados pelo Hamas vencerem, o que exigiria um suporte militar de apoio.

Com a guerra na Ucrania e a Otan em posição atenta, a ONU e o secretário-geral, António Gutteres, que não tem o apoio de Israel, não daria conta da missão especial para Gaza.

4 - A última opção seria o atual presidente da Autoridade Palestina, Mahmoud Abbas. Ele é inimigo do Hamas e odiado pelos palestinos de Gaza.

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Desde 2007, quando o Hamas passou a governar a Faixa de Gaza, Abbas nunca mais esteve na sua casa de veraneio, neste local.

Mesmo na Cisjordânia, Abbas, com 83 anos de idade, é mal visto e, por saber disso, não marca eleições.

Dia seguinte com Dahlan

O nome Mohammed Dahlan é muito conhecido no Oriente Médio. No Ocidente, é ilustre desconhecido da maioria.

Dahlan foi líder da Fatah e saiu ao se opor a Abbas. Esteve preso durante anos em Israel, por liderar o Fatah, então braço armado da OLP.

A força de Dahlan reside no fato de ser homem da confiança do presidente egípcio, Al Sisi.

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Dahlan reside nos Emirados Árabes e circula bem no mundo árabe, sendo sempre chamado a opinar sobre a situação em Gaza. Tem apoio de Jordania, Egito, Catar e Arábia Saudita.

Como sunita, não tem ligações com o xiita Irã nem com o Hezbollah libanês. Seria alguém em Gaza a tirar a influência xiita de cena, embora o Hamas seja sunita.

Pano rápido

O premiê israelense, Benjamin Netanyahu, não irá cumprir a promessa de aniquilar o Hamas, mesmo que Israel tenha êxito no campo de batalha.

Netanyahu, como já ressaltado, não eliminou o vértice de mando do Hamas e levou, com os excessos, à morte, até o momento, de mais de 9 mil civis inocentes.

Israel, sob o governo Netanyahu, cometeu crimes contra a humanidade e, pela imoderação, enfraqueceu a justificativa de legítima defesa e causou a volta do antissemitismo no ocidente.

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Para a liderança do Hamas, que está segura longe das bombas, os combatentes cercados em Gaza deverão resistir e a palavra de ordem enviada chama-se martírio.

Interessa ao Hamas o maior número possível de civis mortos. Como sempre, serão usados como escudos humanos e propaganda internacional contra Israel.

Netanyahu, ao final, terá uma vitória de Pirro, como aconteceu em Ásculo, no ano 279 A.C.

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Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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