Wálter Maierovitch

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Opinião

Daniel Alves usou do vale tudo em nome da ampla defesa, mas se deu mal

As mudanças de versões macularam definitivamente a imagem pública do jogador Daniel Alves. Sem compromisso social, dignidade e arrependimento de um réu confesso, usou do vale tudo, em nome da ampla defesa. Na verdade, usou, fora do processo, da ampla canalhice. Ele foi condenado hoje à prisão no caso de estupro envolvendo uma mulher de 24 anos em Barcelona - à decisão cabe recurso.

Primeiro, Daniel Alves, usou da negativa da autoria e acabou, ao sentir a força da prova contrária, por mudar a tática e jogar na redução do peso da pena privativa de liberdade. E esta ficou em 4 anos e 6 meses, com o Ministério Público, a parte acusadora, declarando, em nome da sociedade espanhola, que não irá recorrer para obter elevação.

Numa mudança de 180 graus, Daniel Alves trocou a negativa da autoria do crime pela afirmação de ter havido a anuência para o sexo.

Ao negar o ato sexual, levou, como um drible desconcertante, o desmentido da prova pericial e a coerência e firmeza dos vários relatos da vítima. Nem as imagens das câmeras, na fase fora do banheiro, o favoreciam minimamente.

Numa imagem tirada de um jogo de futebol da várzea brasileira, Daniel Alves começou a chutar de canela. Recorreu à embriaguez para justificar. Só que no código penal espanhol, como no brasileiro e em todas as nações civilizadas, a ebriedade voluntária não exime a aplicação da pena. E nem absolve do crime.

A alegação de embriaguez não recebeu acolhimento pelos juízes julgadores (na Espanha o órgão é colegiado em primeiro instância). E nem podia pois, se ocorreu, foi desejada e não imposta contra a vontade. Pior, ficou desmentida e o relato da esposa de Daniel Alves, que falou em juízo ter o esposo chegado em casa embriagado, restou sem nenhuma valia.

Palavra da vítima

No Brasil e em todos os códigos processuais europeus, no que toca à valorização da prova em acusações por crimes sexuais, vigoram duas regras básicas: o livre convencimento do julgador e a valor da palavra da vítima.

A palavra da vítima tem peso especial uma vez que os delitos sexuais, como regra, são perpetrados na clandestinidade. Longe de testemunhos.

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Quando a palavra da vítima guarda coerência e lógica, é plenamente aceita.

A palavra de Daniel Alves não gerava credibilidade e isso ficou patente até pelas mudanças de versões. A da jovem vítima, ao contrário, teve total coerência, desde a fase da notícia do crime dada à polícia.

Ficou barato

A pena privativa de liberdade fixada em 4 anos e 6 meses de prisão recebeu o conformismo do Ministério Público: não irá recorrer para aumento. Nos debates, o Ministério Pùblico postulou a aplicação da pena de 9 anos de prisão. Na prática, o jogador vai ficar preso por 3 anos e cinco meses - descontando o tempo de custódia em prisão preventiva (de 1 ano e 1 mês). Ao longo do cumprimento da pena, ele poderá pedir a liberdade condicional.

Uma lembrança para fim comparativo. No Brasil, a pena mínima do estupro, um crime hediondo, é de 6 anos de reclusão. No caso de estupro com lesão corporal a pena mínima é de 14 anos.

A defesa de Daniel Alves chegou a sustentar a atipicidade do crime por não ter prova da lesão corporal. Na Espanha, como no Brasil, o estupro é tipificável pela recusa e não há necessidade de lesão vaginal: pode ocorrer estupro sem qualquer lesão.

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A pena pecuniária, no entanto, ficou muito barata: 150 mil euros (cerca de R$ 805 mil). Como regra, ela leva em conta a situação econômica do réu-agressor. No caso, Daniel Alves conta com condição financeira privilegiada. O fato de atrasar pagamento alimentar à esposa não serve de prova da sua má condição pecuniária.

Outras sanções foram impostas a Daniel Alves. Após cumprir a pena principal, o jogador ficará por cinco anos em liberdade vigiada. E deverá, por nove anos, ficar distanciado da vítima: mínimo de 1 km de distância.

Pano rápido

As condenações por crimes sexuais contra mulheres impostas a Daniel Alves, ao foragido da justiça italiana Robinho (deverá cumprir pena imposta pela Itália em cárcere brasileiro) e a Cuca (treinador), têm um forte componente de servir como exemplo e, também, do vigor do princípio republicano de que todos são iguais perante a lei.

As condenações de Daniel Alves são uma vitória de todas as mulheres do planeta. Lógico, venceu a Justiça que tem o monopólio do direito de punir. Mas as mulheres solidificam, a cada dia, a igualdade de tratamento perante a lei. O tempo de mulher-objeto faz parte, felizmente, de um triste passado da história da humanidade.

Portanto, a vitória não se resumiu apenas à jovem vítima de 23 anos, agredida física e moralmente por Daniel Alves. Essa jovem, desde o momento que foi à polícia, estava emocionalmente destruída, só pediu por justiça. Nunca quis dinheiro, ou melhor, contentar-se com indenização financeira para esquecer o crime e premiar a canalhice, o machismo, a plutocracia, ou seja, o poder do dinheiro e do prestígio.

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Prevaleceu, diante de prova processual induvidosa, os protocolos internacionais das Nações Unidas e o direito das mulheres à liberdade de escolha do parceiro.

Daniel Alves trocou a imagem pública que possuía pela técnica defensiva em desacreditar a vítima. Deu-se mal, e a sua imagem foi para o lixo, pois mentiu para levar vantagem, sem se preocupar com o dano moral imposto absurdamente à vitima dominada, jogada ao chão do banheiro e violentada sem desejar.

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Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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