Wálter Maierovitch

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Opinião

Abin paralela: Bolsonaro atropelou a Constituição e a ética para espionar

O último episódio policial-criminal a envolver o ex-presidente Jair Bolsonaro decorre de um áudio encontrado no celular de Alexandre Ramagem, quando se tornou o responsável pela Abin (Agência Brasileira de Inteligência), órgão central do Sisbin (Sistema Brasileiro de Inteligência).

O episódio está em apuração. Representa uma etapa nova, com apreensões e prisões cautelares, do inquérito policial conhecido por "Abin paralela": uma agência lateral criada para Jair Bolsonaro atuar de modo doloso, ao confundir o interesse público com o privado.

Na Abin, responsável pela coleta e análise de informações direcionadas "à defesa da soberania e a integridade nacionais, com a segurança da sociedade e com o patrimônio estratégico do país" (definição do general Alberto Mendes Cardoso, responsável pela elaboração do Sisbin no governo FHC), o supracitado Bolsonaro a tratou como sua, para atender a interesse privado, como se percebe pelo material probatório apreendido com Ramagem.

Bolsonaro colocou o delegado de polícia federal Ramagem para blindar ao filho Flávio Bolsonaro e ele próprio, em questões de natureza criminal, da competência da polícia judiciária e não da Abin. Tudo a prevalecer o comportamento aético da vantagem, com alcance da impunidade.

Com caradurismo anormal, Bolsonaro confundiu inteligência policial, voltada à autoria e materialidade de crimes tipificados no Código Penal e legislação especial criminal, com inteligência de Estado-Nação. As informações da Abin servem para dar suporte às ações estratégicas do chefe de Estado, no caso, a presidência da República.

Bolsonaro colocou o diretor da Abin para atuar sem legitimação constitucional. A meta, conforme revelado pelo áudio, passava por obter, junto à Receita e ao Serpro, elementos a evidenciar ter havido repasse ilegal de dados ao Coaf.

Com isso, o relatório do Coaf, a indicar movimentação atípica do dinheiro obtido com rachadinhas, seria nulo de pleno direito. E o nulo, como sabe até um primeiranista de curso de Direito, não gera efeito jurídico.

Bolsonaro quis espionar e informar-se, mas no interesse privado e não no interesse do Estado e dos seus cidadãos. Atropelou a Constituição, as leis e a ética.

As manobras da Abin

Três ocorrências, nos campos criminal e ético, decorrem do conteúdo do material probatório, e áudio, apreendido com Ramagem:

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Reunião no gabinete do presidente da República no palácio do Planalto, a envolver o presidente Bolsonaro, Ramagem, o ministro-chefe do gabinete de Segurança Institucional, general Augusto Heleno, e duas advogadas do senador Flávio Bolsonaro, filho do presidente.

Manobras para tisnar de nulidade, mediante busca de auxílio da Receita Federal e do Serpro (Serviço Federal de Processamento de Dados), relatório do Coaf (Conselho de Atividades Financeiras). Tudo de modo a tornar inválidas as suspeitas de movimentações financeiras de Flávio Bolsonaro, referentemente ao chamado caso das "rachadinhas": peculato, apropriação indébita, formação de associação delinquencial, fraudes e lavagem de dinheiro.

Troca de favores a envolver Bolsonaro e o então governador Wilson Wiltzel, com o chefe do executivo fluminense a propor o encerramento do caso das "rachadinhas", atribuídas a Flávio Bolsonaro, em troca da indicação, para cadeira de ministro do STF- Supremo Tribunal Federal, do magistrado Flávio Itabaiana, juiz federal do das rachadinhas.

Gabinete desvirtuado

Por volta do ano 500 a.C. um militar chinês, Sun Tzu, escreveu um livreto intitulado "A Arte da Guerra". Dado o relevante teor da obra, acabou inserida no famoso Livro Vermelho, coletânea de recomendações e citações de Mao Tse-Tung, ditador da República Popular da China, morto em setembro de 1976.

Su Tzu, com função equivalente de general comandante das forças de guerra, escreveu que "as informações oportunas permitem ao soberano esclarecido vencer batalhas e obter vantagens fora do alcance dos homens comuns".

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Como Bolsonaro passou pela Academia Militar de Agulhas Negras e foi convidado a se retirar do Exército levando a patente de capitão que nunca foi de fato, deve ter tido contato com o livreto "A Arte da Guerra" e apreendido da importância das informações, das espionagens e monitoramentos.

Troca-troca

No sistema democrático republicano não existem pessoas acima de suspeitas. Todos devem ser investigados havendo indícios de ilícitos criminais.

Por isso, o inquérito policial deverá prosseguir com Bolsonaro e filho Flávio sendo objetos de investigação. Idem, com relação a Ramagem.

Até o momento existem elementos a indicar ter Ramagem sido colocado na Abin para, com requisições de policiais criminais e sem colaboração de oficiais de inteligência, atuar no interesse de Jair Bolsonaro.

A Abin legal e institucional serviria como rótulo a mascarar os desvios de poder e finalidade.

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A investigação deverá ser aprofundada para verificar a veracidade da tentativa de troca de indicação para cadeira de ministro do STF com o arquivamento do inquérito das rachadinhas atribuídas ao filho de Bolsonaro. Rachadinhas que eram gerenciadas por Fabrízio Queiroz, que foi, até o escândalo, o faz tudo de Bolsonaro.

O certo é ter havido uma mentira, pois Bolsonaro e Witzel se contradizem. Na verdade, a mentira partiu do ex-governador ou do presidente. Como são dois mitômanos, inconfiáveis e fanfarrões, caberá à investigação desvendar o mendaz.

De Washington Luís a Bolsonaro

De olho nos denominados movimentos tenentistas golpistas ocorridos nos anos de 1922 (Os 18 do Forte de Copacabana), 1924 (Revolta Paulista) e 1925 (Coluna Prestes), o presidente Washington Luís Pereira de Souza sentiu a necessidade de criar um órgão de inteligência e defesa do Estado nacional.

A tarefa era de colher informações e avaliar as consequências para preparar futuras ações de Estado. E ações voltadas à defesa da Constituição e garantir a tranquilidade social.

Com Washington Luís criou-se o Conselho de Defesa Nacional.

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O ditador Getúlio Vargas, por sua vez, constituiu, para se manter informado, a polícia política. E incumbiu o senador Filinto Muller, ligado ao hitlerismo, para comandar o órgão de polícia política, com buscas, informes e execuções de torturas, a vitimar suspeitos de conspirarem contra o regime varguista.

O golpe militar de 1964 também precisou de um órgão de espionagem e informações. Isso para manter o estado de exceção. Usou, então o SNI (Serviço Nacional de Informações), de triste memória, muitas torturas, mortes e impunidade garantida por engendrada lei de anistia.

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** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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