Wálter Maierovitch

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Opinião

Bolsonaro e os seus generais na avenida Paulista: o silêncio dos inocentes?

O capitão Jair Bolsonaro, ex-presidente, e três dos seus generais comandados, antigos ministros e já integrantes do quadro de reservistas do Exército, Walter Braga Netto, Augusto Heleno e Paulo Sérgio Nogueira, negaram-se a prestar depoimentos em inquérito policial.

Na verdade, agarraram-se numa garantia constitucional pétrea, o silêncio, para forjarem as suas defesas no asfalto da avenida Paulista.

Esses suspeitos preferem a via paulistana ao devido procedimento legal (inquérito policial), instrumento apropriado e ofertado num Estado democrático de direito, de leis.

Indiciamento antes de ato na Paulista

Nenhum deles, o ex-presidente Bolsonaro e os três generais, está indiciado formalmente.

Atenção: o indiciamento, em regra, acontece logo depois dos depoimentos dos suspeitos.

Bolsonaro escapou momentaneamente do indiciamento. Idem, os generais.

O silêncio e o não indiciamento, no caso, representam, também, estratégia política direcionada a Bolsonaro se apresentar na avenida Paulista, no domingo próximo, como insuspeito.

É que o indiciamento em inquérito policial significa a existência formal, legal e concreta, de imputações criminais. Isso recairia em Bolsonaro e nos generais. Seria uma passagem técnico-jurídica de meros suspeitos à condição de imputados de autoria e participação em crimes graves.

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Só com o indiciamento, no caso, aparece a legitimação para a impetração de habeas corpus, remédio constitucional reparador de abusos e ilegalidades por ausência de justa causa. A respeito disso, os advogados de Bolsonaro já informaram ao Supremo Tribunal Federal a renúncia, como paciente, de impetrações de ordens de habeas corpus, por terceiras pessoas não autorizadas. Nem habeas corpus preventivo com pedido de salvo conduto.

Com efeito, Bolsonaro não estará na avenida com um salvo-conduto no bolso, para evitar prisão.

O referido inquérito policial, ressalta-se, apura plano criminoso, por uma associação delinquencial permanente, de "virada de mesa eleitoral". Uma "virada de mesa" voltada à manutenção de Bolsonaro no poder, caso Lula saísse vencedor da eleição presidencial.

Em outras palavras, os indiciamentos viriam imediatamente após os depoimentos de Bolsonaro, Braga Netto, Heleno e Nogueira. Isso em face de provas diversas e de vídeo de reunião ministerial apreendido em posse do militar Mauro Cid, ajudante de ordens do então presidente Bolsonaro e agora colaborador da Justiça.

Para os indiciamentos, a polícia judiciária federal precisava apenas ouvir os suspeitos. No inquérito, aliás, já existem indícios fortes, conectados e harmônicos. E até comprovação de um "plano B" de golpe contra o Estado nacional e em ofensa à nossa Constituição democrática e republicana.

Quem cala consente, e o nemo tenetur

Um jurista, com apoio em velha máxima romana de ninguém estar obrigado a se auto acusar ("nemo tenetur se detegere") e na Constituição de 88, sustentaria a legitimidade do silêncio do capitão e os seus três generais subservientes.

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Um comum mortal do povo, no entanto, não concordaria, pois nasceu embalado pelo dito popular do "quem cala concorda".

Bolsonaro não liga para o ditado popular. Nas redes e nas suas bolhas, ele se apresenta em trajes de inocente e perseguido.

Não se descarta que Bolsonaro esteja, da mesma maneira que os generais flagrantemente golpistas, com um manual da obra clássica da criminologia intitulada "Vítima: vitimologia", do saudoso jurista Edgard de Moura Bittencourt, editada em 1971.

Bolsonaro exercitará, no próximo domingo e na avenida Paulista, os seus direitos constitucionais de reunião e de exteriorização dos seus pensamentos. Depois de evitar o indiciamento, frise-se.

O temor dos operadores do direito bolsonaristas é que ele se exceda e perpetre o ilícito de incitação criminal.

Se isso acontecer, como este colunista já ressaltou diversas vezes no UOL News, poderá ser preso em flagrante delito ou ter a prisão preventiva decretada para a garantia da ordem pública.

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No papel de vítima e de falso democrata, Bolsonaro exporá não ter sido o autor ou cúmplice de nenhum golpe. Lógico que muitos irão acreditar, mas sem nem pensar que a avenida não é a sede, prevista em lei, para fazer negativas e defesas.

Volto a insistir: na sede própria, e no momento, que é o inquérito policial, Bolsonaro não quis falar. Como se percebe, prefere a avenida, onde não será contrariado, desmentido.

O filme 'Silêncio dos Inocentes'

No clássico filme, a investigadora Clarice Starling procura obter, no cárcere e para desvendar sequestros e mortes, informações sobre o sociopata Hannibal Lecter, um psiquiatra assassino, manipulador e canibal.

As vítimas sequestradas, cujas peles eram despregadas do corpo, não tinham voz, estavam irremediavelmente condenadas à morte.

Bolsonaro e os generais, diante de prova provada, induvidosa sobre os golpismos, usam o silêncio para enganar e a avenida para manipular.

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Não são inocentes.

Não são vítimas, mas atores de um tentado golpe de Estado, que tinha plano "B" e até minutas para dar verniz jurídico.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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