Wálter Maierovitch

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Opinião

Legalismo de araque tomou conta dos deputados bolsonaristas

O legalismo de araque tomou conta dos deputados bolsonaristas ontem na votação pela soltura ou manutenção da prisão preventiva de Chiquinho Brazão, também deputado federal.

Por puro oportunismo, 129 deputados queriam entregar a chave da cadeia para Chiquinho Brazão ficar livre e voltar ao convívio parlamentar.

Na verdade, os 129 deputados federais não pensaram nos bárbaros assassinatos de Marielle Franco, então vereadora, e Anderson Gomes, seu motorista. Nem pensaram na tentativa de assassinato de Fernanda Chaves, assessora da referida vereadora. Pensaram, apenas, numa brecha que estavam a abrir à imunidade parlamentar.

Com a brecha aberta, num futuro próximo ou distante, qualquer deputado federal poderia ter a prisão preventiva decretada por ministro do Supremo Tribunal Federal (STF).

Imunidade constitucional

Alguns deputados (cerca de 45%) queriam soltar Chiquinho Brazão porque deputado não pode ser preso preventivamente, possuem imunidade constitucional. Caso aberta exceção, qualquer deles passaria a correr riscos.

A Constituição diz que deputados e senadores só podem ser presos em flagrante delito, e, assim mesmo, só no caso de crime inafiançável.

Mas, caso Brazão fosse solto, como os deputados iriam encarar a sociedade indignada? E isto depois de duas delações premiadas reveladoras - o executor Ronnie Lessa apontou os irmãos Brazão como mandantes.

A soltura seria um escárnio. E a decisão de Alexandre de Moraes está bem fundamentada quanto à necessidade da prisão, como ficará exposto mais abaixo, em item destacado.

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A lembrar, ainda, que tivemos muitos anos de investigações falsas. De uma série de despistes para mudar os rumos. Apurações realizadas para não identificar os autores e sob a supervisão do chefe da polícia civil do Rio de Janeiro, também preso preventivamente.

Diante do dilema, —-solta ou não —-, os deputados deram 227 votos a favor da manutenção da prisão preventiva, e 129 pela soltura.

Ainda bem não ter prevalecido o corporativismo e haver sido derrotada a vocação bolsonarista pró-milicianos.

Chiquinho era vereador

Chiquinho Brazão era vereador quando ocorreu o crime. Os assassinatos, atenção, não tinham nenhuma correlação com a função de vereador de Chiquinho Brazão.

Vereador, claro, não tem a função de matar ou mandar executar ninguém. Em outras palavras, não existe imunidade para mandante e nem para executor de assassinatos.

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Esperneio e foro privilegiado

Alguns deputados espernearam por outra questão, além da imunidade parlamentar.

É que pela jurisprudência atual do STF, o atual deputado Chiquinho Brazão não teria foro privilegiado. Vários deputados ressaltaram isso e a questão chegou a ser agitada na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ).

Chiquinho Brazão não cometeu os assassinatos como deputado. Ele não tinha mandato de deputado quando das consumações dos bárbaros assassinatos.

Assim mesmo, frisaram os deputados nas conversas, Moraes aceitou o foro, contra a jurisprudência do Supremo.

Atenção. No momento, os ministros estão apressados em mudar a jurisprudência sobre o foro privilegiado. A ideia é ampliar o foro privilegiado. Bastará ser deputado para fazer jus do foro por prerrogativa de função (foro privilegiado). O resto não irá interessar.

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Caso a jurisprudência mude, Chiquinho Brazão continuará, sem mais discussões, sob a jurisdição do STF.

O processo criminal tramitará no STF, em única instância. E não adiantará renunciar o mandato para tentar escapar do STF.

Habeas corpus no STF

A defesa de Chiquinho Brazão deverá bater à porta do Supremo com pedido de habeas corpus liberatório.

Além da questão jurídica da imunidade, —- se cabe ou não a prisão preventiva contra deputado—- e da questão do foro privilegiado——, entrará no debate outro ponto. Ou seja, a questão do valor da delação premiada do executor dos crimes, Ronnie Lessa e do seu comparsa auxiliar.

O STF tem jurisprudência de não servir a deleção premiada se não acompanhada de outras provas.

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Como será o contorcionismo jurídico ainda ninguém sabe. Poderá o STF dizer que essa jurisprudência só vale para a sentença e não para a prisão cautelar, na modalidade preventiva.

Suprema precipitação

O STF precipitou-se com a orientação jurisprudencial de não dar crédito à delação não confirmada por outras provas. A Justiça italiana, nos casos de Máfia (podemos incluir milícias), ensina ser válida para condenar a delação se coerente. Isso porque em certos ambientes mafiosos (idem de milícias) vigora a lei do silêncio: a chamada omertà.

E tem mais, vale o direito premial (delação premiada), a colaboração à Justiça, quando os crimes são rigorosamente planejados (caso de Marielle) e consumados sob o mais absoluto segredo, sem testemunhos.

O acerto de Moraes

Embora Moraes tenha sustentado — em livro, artigos e palestras — a impossibilidade de prisão preventiva de deputado e senador, salvo em flagrante de crime inafiançável, a sua decisão no caso de Chiquinho Brazão merece, juridicamente, aplausos.

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Efetivamente, a imunidade decorre, como o foro especial, da função. Deputados são órgãos do poder Legislativo. A imunidade é necessária e representa, numa democracia, uma garantia fundamental.

Agora, não existe imunidade para matar e a Constituição defende a vida. Como bem observou Moraes, os assassinatos não guardavam nenhuma correlação com a função e atividade parlamentar do então vereador Chiquinho Brazão.

Com efeito, a decisão de Moraes levanta polêmica silenciosa a respeito da imunidade, mas conta com rigor lógico e não destoa da Constituição.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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