Como Elon Musk passou a influenciar o destino da democracia nos EUA
Quando Elon Musk comprou a plataforma digital Twitter, a ONU enviou uma carta ao bilionário, alertando sobre seu papel na preservação da democracia. O documento, como diversos outros alertas, foi solenemente ignorado.
Um recente pesquisa indicou que postagens feitas por Musk sobre a campanha eleitoral nos EUA com informações falsas ou que possam levar o leitor a uma confusão sobre seu conteúdo foram compartilhadas e vistas por 1,2 bilhão de pessoas.
A conclusão do estudo ainda é que o X, ex-Twitter, se transformou numa incubadora de desinformação. Realizada pelo Center for Countering Digital Hate, a pesquisa examinou 50 postagens por parte de Musk a seus 193 milhões de seguidores, apenas em 2024.
"Elon Musk está abusando de sua posição privilegiada como proprietário de uma plataforma de mídia social politicamente influente para semear desinformação que gera discórdia e desconfiança", alertou Imran Ahmed, executivo-chefe do instituto.
Ao contrário de outros bilionários, Musk tem em suas mãos uma tecnologia capaz de influenciar de forma imediata no debate de um país marcado por uma profunda divisão.
Entre as mentiras que ele passou a proliferar estão mensagens de que democratas estão incentivando a migração ilegal com o objetivo de "importar eleitores" ou que a eleição é vulnerável a fraudes.
No dia em que Joe Biden anunciou que estava desistindo de um segundo mandato como presidente, o serviço Grok, o chatbot de inteligência artificial da X, passou a divulgar que a data para a inscrição de novos candidatos estava encerrada, uma mentira.
Um grupo bipartidário de cinco secretários de Estado dos EUA enviou uma carta aberta a Musk, alertando sobre sua produção de desinformação eleitoral.
Nada disso parece deter Musk, que compartilhou um vídeo deep fake de IA com Kamala Harris. Nele, uma voz que imita Harris afirma que ela não sabe "nada sobre como administrar o país". Milhões de pessoas viram e compartilharam o vídeo — e foi apenas horas depois que Musk esclareceu que se tratava de uma brincadeira.
Futuro ministro de Trump?
Sua influência na campanha de Trump passou a ser de tal proporção que o candidato republicano chegou a sugerir que Musk poderia assumir um cargo em seu gabinete, se ele vencesse. Dias depois, Trump esclareceu:
"Musk quer se envolver. Agora veja, ele está administrando grandes empresas e tudo o mais, então ele não pode, realmente, eu não acho que ele poderia estar no gabinete", disse Trump. "Eu o colocaria no gabinete, com certeza, mas não sei como ele poderia fazer isso com todas as coisas que ele tem em andamento", explicou.
Uma opção, segundo Trump, seria ter Musk como conselheiro ou alguém que possa ser usado para consultar em temas como inteligência artificial.
Não é a primeira vez que os dois homens flertam com a possibilidade de borrar a fronteira entre política e negócios.
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JAMIL CHADE
Todo sábado, Jamil escreve sobre temas sociais para uma personalidade com base em sua carreira de correspondente.
Quero receberMusk foi um dos articuladores de um comitê de apoio pró-Trump, reincorporou o ex-presidente em sua plataforma e sugeriram o estabelecimento de um Departamento de Eficiência Governamental, o que foi visto por analistas como uma arma para reduzir os direitos dos trabalhadores, restringir as regulamentações governamentais de negócios e, claro, catapultar empresários para contratos tanto nos EUA como no exterior.
Conspirações que rendem dinheiro
Antes mesmo do dia da votação, a realidade é que a eleição americana já rende milhões de dólares para disseminadores de desinformação e de teorias de conspiração na plataforma de Musk.
O foco é, certamente, Kamala Harris, acusada de "matar bebês" ou de ser uma "comunista". Mas uma das principais estratégias é a de questionar seu compromisso com os EUA por ser filha de estrangeiros, gerando uma confusão ainda sobre sua identificação com negros.
Algumas das postagens chegaram a ter 16 milhões de visualizações. O compartilhamento, nesse caso, é monetizado.
Numa dessas operações, Harris é apresentada como uma pessoa que não é elegível para concorrer à presidência por sua descendência. "Nenhum de seus pais era cidadão americano nato quando ela nasceu", afirmou uma das postagens, com mais de 5,7 milhões de visualizações.
A operação de desinformação é, então, ampliada pelo próprio Trump que, em entrevistas, colocou dúvidas sobre quem ela representa: "Ela é indiana ou negra?"
Nas redes sociais, tais mensagens são acompanhadas da hashtag #NotLikeUs (não como nós), numa alusão ao fato de ela não ser supostamente uma verdadeira americana.
A ofensiva se encaixa ao perfil construído por Musk em suas redes sociais, defendendo inclusive atos de supremacistas brasileiros. Um deles ocorreu em Charlottesville, em 2017. Naquele momento, Trump declarou que havia "pessoas muito boas em ambos os lados". O evento ficou marcado pela presença de neonazista e segregacionistas. O ato ainda testemunhou como grupos ultrarradicais traduziam slogans nazistas ao inglês, sempre com um tom de ameaça aos estrangeiros e negros.
Arrecadação para campanha por X
Musk ainda usou sua rede para arrecadar dinheiro para Trump, apagando qualquer fronteira entre a plataforma e a campanha do republicano.
Ao anunciar nas redes sociais que estava apoiando a candidatura de Trump, ele recebeu 2,3 milhões de curtidas. O passo seguinte foi abrir espaço para que o candidato republicano pudesse falar por mais de duas horas, em sua plataforma.
Ali, não houve qualquer questão sobre as mais de 20 informações falsas que Trump declarou. Grupos de oposição e de direitos humanos que tentaram entrar no debate virtual foram bloqueados.
Mas o que mais chamou a atenção de analistas foi o uso da entrevista para que, na mesma plataforma, uma campanha de arrecadação fosse realizada. Instantes antes de a entrevista começar, os republicanos pediram que a audiência realizasse "o maior dia de arrecadação de fundos de todos os tempos".
A postagem foi, então, usada pela administração do X para enviar uma notificação — com a foto do perfil de Trump — aos usuários.
"Uma guerra civil é inevitável"
Entre pesquisadores e analistas políticos, não há qualquer dúvida de que a compra do Twitter de Musk por US$ 44 bilhões visava transformar a plataforma em um instrumento político. Ninguém, porém, ousa dizer o que será exatamente o comportamento do bilionário, caso Donald Trump seja derrotado nas urnas, no dia 4 de novembro.
Desde o mês passado, porém, todos os olhos se focaram nos acontecimentos no Reino Unido, depois que uma desinformação promovida na plataforma X alimentou a violência contra refugiados e estrangeiros.
Depois de um assassinato bárbaro, a rede social de Musk não deteve a divulgação de um nome falso de um suposto imigrante que teria sido o responsável pelas mortes. Nem o nome e nem a história contada eram verdadeiros. Mas foram suficientes para levar milhares de pessoas às ruas para cometer atos de violência.
Dias depois, com protestos se proliferando, Musk escreveu que uma "guerra civil era inevitável" e questionou a capacidade de governar do recém-empossado primeiro-ministro Keir Starmer, um trabalhista.
Para analistas, o comportamento de Musk no Reino Unido pode ter sido simplesmente um campo de testes para saber o impacto de sua rede.
O bilionário gerou polêmica, há poucos meses, quando hesitou ao responder se iria aceitar o resultado da eleição nos EUA caso os democratas vencessem. Mais recentemente, ele modificou sua narrativa. Indicou que não contestaria o resultado do voto no dia 4 de novembro. Mas alertou: desde que não existam "questões sobre a integridade da eleição".
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