Quem vai colocar o guizo em Moraes e brecar a sem-vergonhice de Bolsonaro?
Reportagem do jornal Folha de S.Paulo sobre fatos a envolver o ministro Alexandre de Moraes não deixa dúvida quanto à necessidade de urgente tomada de providências.
Vamos por partes, pois soluções jurídicas existem. Isso, em respeito ao Estado Democrático de Direito e diante de flagrantes inconstitucionalidades, ilegalidades, precipitações e erros.
A matéria da Folha tratou de dois protestos raivosos ocorridos na cidade de Nova York, quando por lá estavam ministros do STF e até um provocador chamado de perdedor Mané.
Conta a Folha que Moraes determinou a elaboração de relatórios sobre xingamentos a ele e demais pares do STF. Até um reprovado em exame de qualificação profissional da OAB enxerga, nos dois episódios nos EUA, o ministro Moraes como vítima de ofensas verbais, nas formas de injúrias, calúnias e difamações.
Ora, ora, a vítima Moraes não estava legitimado a buscar culpados para revidar, em nome do Estado, as ofensas recebidas. Nem por ele e nem pelo supremo Colégio.
Isso, num Estado de Direito, é inconstitucional e abuso de poder, com desvio de função.
O poder de polícia, frise-se, era para as sessões presenciais do STF, e não para um redivivo Tomás de Torquemada (referência ao supremo inquisidor de triste memória na Idade Média) sair em perseguição de incivilizados, antidemocráticos, deseducados e golpistas.
No segundo evento informado na matéria da Folha, a eleição já havia acontecido, ou seja, as reações eram de inconformismo orquestradas pelos bolsonaristas.
STF precisa admitir erro
O ideal seria o mea-culpa do STF, com o habitual contorcionismo jurídico que os ministros sabem fazer quando resolvem mudar de entendimento.
Um passo atrás: o STF, num momento irrefletido após a primeira matéria da Folha, apoiou os atos de Moraes.
Até o procurador-geral da República, Paulo Gonet, saiu em defesa de Moraes que, bem antes, foi seu cabo eleitoral.
Na verdade, ministros do STF estavam numa "sinuca de bico", pois defenderam e referendaram, sem ressalvas, a temerária portaria do então presidente Dias Toffoli. Ou melhor, validaram o pecado original.
Num segundo momento, já com a portaria vigente, os ministros do STF mantiveram diversas decisões do ministro Moraes.
A referida portaria "toffoliana" conferiu poderes inquisitoriais ao ministro Moraes, com fundamento num alargado e ilegal poder de polícia não possuído e nem permitido constitucionalmente.
O nosso sistema constitucional criminal, no qual temos relação processual a envolver três sujeitos, distingue, em polos diferentes do processo, o acusador do defensor. E coloca, equidistante, o órgão imparcial denominado julgador, ou juiz.
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Quero receberA Constituição não permite, consumados crimes comuns, inquérito judicial. E a eternização dos inquéritos fere de morte a regra da duração média razoável para a persecução da autoria e materialidade de crimes.
O juiz não pode apurar, processar e julgar.
O mea-culpa pelo STF seria muito simples. Bastaria revogar a portaria de Toffoli, por já ter perdido o objeto, ou seja, a causa persecutória (a razão da sua instauração).
A estrela de xerife de Moraes
Se a "portaria toffoliana" for revogada, Moraes deixará a inconstitucional função de inquisidor.
E tem mais. Se o ministro perder a estrela de xerife, os inquéritos instaurados seriam, depois de redistribuídos, tocados pela polícia judiciária federal, sob impulso e fiscalização do Ministério Público.
Cada ministro, sempre ouvindo o Ministério Público, reexaminaria a questão do juiz natural, ou melhor, da competência ou não do STF. Muitos casos, como, por exemplo, o barraco do aeroporto de Roma, deveriam ser reenviados ao juiz natural.
Em síntese, o castelo inquisitorial seria consertado e as suas portas fechadas.
Com o mea-culpa, seria colocado o guizo no gato Moraes, sem exposições e nem censuras.
Impeachment cogitado por sem-vergonha
O ex-presidente Jair Bolsonaro, seus filhos e aliados políticos pretendem, sem corar as faces, realizar manifestações pelo impeachment do ministro Moraes no próximo 7 de setembro. O motivo seria a ofensa ao Estado Democrático de Direito.
Bolsonaro, em dois eventos de 7 de setembro, quando era presidente, pregou golpe de Estado. Atentou ao Estado Democrático de Direito. E estava por trás do golpismo de 8 janeiro, outra ação antidemocrática, contra a Constituição e as leis.
Bolsonaro e os golpistas professam uma ética ambígua, pois pregaram a afronta ao Estado de Direito para se perpetuar no poder.
Na verdade, um caradurismo misturado com pitadas de cinismo, ao se propor impeachment contra Moraes.
O mea-culpa do STF esvaziaria de argumento as manifestações cogitadas para o 7 de setembro. Aliás, atos por todo o Brasil preparados por antidemocratas instrumentalizados pelo infame Jair Bolsonaro, até agora impune.
Pano rápido: vamos aguardar o STF colocar o guizo no gato e passar um bom tempo submerso, como convém.
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