Cadeirada de Datena em Marçal: crime ou legítima defesa?
O candidato à Prefeitura de São Paulo José Luiz Datena (PSDB), depois de receber reiterada e pesada ofensa à sua honra objetiva e subjetiva, em debate televisivo, desferiu uma cadeirada no candidato provocador, Pablo Marçal.
Marçal, basta verificar as imagens e os áudios disponíveis, caluniou Datena e ofendeu sua dignidade, seu decoro e sua reputação.
Conforme noticiado, Marçal suportou lesão corporal e foi atendido em estabelecimento de ponta, o hospital Sírio-Libanês.
Volto ao tempo da antiga Roma, então considerada a capital do mundo e com leis escritas em doze tábuas de madeira. A pena, em hipótese de agressão injusta com lesão corpórea, era a de Talião: olho por olho, ou seja, a sanção era proporcional à gravidade sofrida pela vítima.
De lá para cá, a evolução e humanização foram marcantes, a começar pela Justiça pública, com o Estado como o único detentor do direito de punir. Com efeito, a Justiça privada tornou-se inadmissível mundo afora —não é lícito fazer justiça de mão própria.
Os códigos passaram a elencar, entre os crimes contra a pessoa, o ilícito de lesão corporal.
Entre nós, a lesão corporal é qualificada como leve, grave, gravíssima e seguida de morte. As penas variam de acordo com a gravidade.
Legítima defesa
Agora, atenção. A reação que afeta a integridade corporal pode, em certos casos, ser vista como legítima defesa.
Trocando em miúdos. Marçal levou cadeirada e sofreu lesão corporal. O ponto fulcral: o provocado Datena agiu em legítima defesa?
Como excludente do crime de lesão corporal, a lei penal admite a defesa pela pessoa ofendida sob certas condições —e dada a urgência— como mera reação de ataque. Trata-se de defesa moderada por parte do ofendido, sem tempo de buscar proteção do Estado.
O código penal, sobre a legítima defesa, fala em repelir moderadamente agressão injusta, atual ou iminente.
Trevas
Em episódio nebuloso, consumado no ano de 1963, o então senador Arnon de Mello, pai do ex-presidente Collor de Mello, matou outro senador a tiro de pistola, em sessão do Senado.
O projétil disparado pela arma de fogo desviou-se e acabou matando outro senador, que não tinha nada tinha com o alvo original, objeto de antigas desavenças alagoanas. Foi reconhecida, embora muito contestada, situação de legítima defesa em favor do senador Arnon.
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Não existe nenhuma dúvida de que Marçal desobedeceu as regras disciplinadoras do debate, que se obrigou a cumprir.
Com o objetivo de dolosamente ofender a honra de Datena, Marçal passou a acusá-lo, falsamente, de autoria de crime de "assédio sexual".
Marçal sabia ser falsa a acusação que propalava, pois a investigação policial foi arquivada após parecer do Ministério Público: houve, inclusive, retratação daquela que se apresentara como assediada sexualmente.
Marçal fez uma devassa na vida de Datena. Pescou um fato grave e omitiu o realmente acontecido como solução final. Em resumo, deu para mostrar o seu mau caráter.
No particular, o candidato Datena explicou, com clareza e inicial paciência, como deu-se o encerramento do inquérito pelo assédio.
Nada adiantou, no entanto. Em réplica, Marçal, com baixaria e intenção induvidosa em atacar a honra do adversário de debate político, redobrou a carga ofensiva.
Verificada a lei penal, está nítido, até para um leigo no campo do direito, que Datena atuou em repulsa a uma agressão injusta, maledicente e canalha (sabidamente falsa).
Aliás, Marçal está sempre a usando informação falsa para se beneficiar politicamente na campanha: acusou falsamente o candidato Guilherme Boulos de usar cocaína. Mais ainda, acusou falsamente a candidata Tabata Amaral de abandonar o pai alcoolista e já falecido.
Pela lei penal, era atual a reação de Datena: estava acontecendo.
Marçal provocava Datena com as gírias "arregão" (covarde) e "jack" (estuprador), num linguajar chulo, comum entre custodiados em estabelecimentos prisionais. Certamente, Marçal, que já esteve preso, deve ter apreendido essa gíria de cadeia.
O problema para Datena está no enquadramento legal da legítima defesa, pois a lei exige, na repulsa defensiva, o uso moderado dos meios necessários.
Moderação e circunstâncias
A jurisprudência, no particular, não deixa Datena no mato sem cachorro.
Na mensuração legal, contam o grau e a gravidade da provocação que tiraram Datena do sério.
Não seria justo deixar de lado o clima e a exposição difusa da ofensa por meio televisivo, e a jurisprudência tem se orientado assim.
Datena também pediu direito de resposta aos fiscalizadores do debate, para responder às ofensas proferidas por Marçal e ao falso "assédio sexual", sem ser atendido.
Jurisprudência
Convém recordar uma decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo, muito aplicada e sempre recordada na obra do saudoso criminalista Damásio de Jesus: "O requisito do emprego moderado do meio necessário não pode ser apreciado com rigor excessivo. Muitas vezes, o ofendido [Datena], em face das circunstâncias, não tem condições psicológicas para medir a proporcionalidade do revide em confronto com o ataque".
O uso de cadeira pesada irá contar contra Datena, ou melhor, poderá ser considerado meio desnecessário, mas se levará em consideração o potencial ofensivo como desestabilizador num comum mortal.
Como a resposta da Justiça é sempre demorada e o primeiro turno se aproxima, cada eleitor terá de fazer o próprio julgamento.
Na minha opinião, e aviso os navegantes que votarei em Tabata Amaral, houve, pelas circunstâncias, legítima defesa.
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